Olga no Brasil: Intentona Comunista

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Soldados das Polícia Militar ocupam a Av. Pasteur para deter o avanço da tropa revolucionária. Fonte: Acervo O Globo

Também conhecida como Revolta Vermelha de 35 ou Levante Comunista, foi uma revolta acontecida em novembro de 1935, promovida pela Aliança Nacional Libertadora, com o objetivo de derrubar o governo de Getúlio Vargas e implantar mudanças relacionadas aos ideais comunistas, de cunhos políticos, sociais e econômicos.

Com o cenário político que se instaurou no Brasil depois da revolução de 1930, surgiram diversos movimentos no país com a intenção de preencher o “vácuo ideológico” que havia se estabelecido. Entre eles, consolidou-se a Aliança Nacional Libertadora, formada por socialistas, comunistas, liberais, militares e religiosos, que defendia a reforma agrária, o fim da submissão às grandes potências capitalistas, o não pagamento da dívida externa, o combate ao fascismo, a preservação das liberdades democráticas, entre outros.

A ANL apoiou diversos movimentos, protestos e greves que exigiam mudanças instantâneas por parte do governo. Em julho de 1935, data em que se celebravam os levantes Tenentistas, Luís Carlos Prestes lançou um manifesto de apoio à ANL, no qual incentivava uma revolução contra o governo. Sentido-se acuado, Vargas teve apoio do congresso nacional para a aprovação da ilegalidade da Aliança, como forma de travar o apoio aos atos que criticavam e pressionavam o seu governo, além de mandar prender parte dos seus líderes. Após esse ato, o plano de revolta foi colocado em prática, e a ANL organizou um golpe de Estado contra o governo Vargas.

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Capas da revista “A Internacional Comunista”, que fora traduzida em diversas línguas.

Apoiados pela Internacional Comunista, a ANL contava com nomes como Olga Benário, que estava na liderança dos combatentes estrangeiros, Arthur Ernest Ewert, ambos da Alemanha, Rodolfo Ghioldi, da Argentina, entre outros nomes, para lutar contra o governo. A ação foi planejada dentro dos quartéis, e os militares simpatizantes ao movimento deram início às rebeliões em 23 de novembro de 1935, em Natal, onde os revolucionários chegaram a tomar o poder durante três dias. Em seguida se alastrou para o Maranhão, Recife e por último para o Rio de Janeiro, no dia 27.

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Os revolucionários falharam com relação à organização. As revoltas ocorreram em datas diferentes, o que acabou facilitando as ações do governo para dominar a situação e frustrar o movimento, que contou com baixa adesão popular e militar. Olga e Prestes foram presos, bem como vários outros líderes sindicais, militares e intelectuais. Além da prisão, o governo cassou os direitos de integrantes  do movimento. A partir desse episódio, Vargas decretou estado de sítio e deu início a uma forte repressão aos envolvidos, usando a ameaça comunista como argumento para aumentar seus poderes e manter-se no cargo durante o Estado Novo.

Olga Benário: mulher

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“Lutei pelo justo, pelo bom e pelo melhor do mundo”

 

Muitos motivos nos levam a ter Olga como uma figura feminina importante no contexto do Pensamento Social Brasileiro. Mesmo de origem européia, Olga poderia ser protagonista da história de muitas nações ao redor do mundo. No Brasil, em especial, teve uma passagem marcante: foi encarregada de cuidar da segurança de um exilado brasileiro em seu retorno para o país, e de lutar por uma batalha que tinha como objetivo derrubar um governo autoritário. Isso tudo em meados da década de 1930.

Olga, de espírito guerreiro e determinado, exerceu papel fundamental para a disseminação internacional do comunismo. Dedicada a sua missão, exerceu um importante cargo no serviço secreto militar russo, ganhando prestígio e reconhecimento pela sua missão. Muitos historiadores a caracterizaram como uma mulher muito disciplinada e que seguia a risca todas as ordens dadas do partido comunista.

Sem exercer julgamento sobre suas atitudes ou ideais, a representação como mulher em um ambiente de ampla maioria masculina fora louvável. Olga esteve na linha de frente em batalhas armadas e liderou tropas formadas exclusivamente por homens.

O Pensamento Social Brasileiro é pouquíssimo representado por mulheres em sua literatura. Como tema de discussões também. Precisamos falar mais sobre o assunto. Até hoje sua figura segue inspiradora como representante de movimentos feministas, que defendem os direitos das mulheres e reprimem atos de violência e injustiça. O estudo apresentado, através da figura de Olga Benário Prestes, tem o objetivo de fomentar essa discussão, abrindo espaço para que grandes temas tenham a devida relevância como fatores de mudança para uma melhor convivência em sociedade, tornando-a mais simples e, ao mesmo tempo, mais justa.

O legado de Olga

Sempre quando falamos de um personagem histórico, há dois tipos de análises que podem ser realizadas. A primeira é a análise histórica da própria trajetória da pessoa, ou seja, seus feitos, lutas, erros e acertos, avaliados dentro do contexto vivido na época.  A segunda é o legado posterior que aquela figura representa no imaginário popular e as representações que podem ser construídas sobre a sua história de vida, o legado.

Ao analisar quem foi Olga dentro do contexto político, temos uma comunista declarada e militante em um governo abertamente anti-comunista. Ela foi corajosa ao ir contra o sistema vigente vivendo de acordo com a sua ideologia. Por outro aspecto podemos analisar que Olga era uma mulher no começo do século XX. Como exemplo simples para contextualizar o machismo – oficial e declarado – que existia na sociedade naquele tempo, é necessário lembrar que o voto feminino no Brasil foi instaurado em 1932 – dois anos antes dela chegar ao país. Não é necessário citar que o estereótipo  da mulher construído e esperado naquela época era que ela fosse uma boa mãe,  uma boa dona de casa, comportada e obviamente mantendo-se nos dentro padrões de beleza. Pra resumir: bela, recatada e do lar. Porém Olga não se aproximava deste modelo esperado de mulher, pelo contrário, foi uma líder ativa dentro do partido comunista, tendo papel de destaque sua contribuição para diferentes movimentos políticos a nível nacional e internacional.

Isto colocado, não podemos esquecer também que Benário era judia, tanto na sociedade européia, historicamente anti-semita, o qual desencadeou o nazismo alemão, como no Brasil, pelo contexto de uma sociedade cristã religiosa. Conviver com o preconceito aos judeus também fez parte de sua vida. E foi tal anti-semitismo, até posteriormente formalizado em oficio do Estado Novo em 1938: “Deveremos, o quanto antes, criar restrições aos semitas domiciliados no Brasil, evitando-se que eles venham a se tornar brasileiros” um dos fatores que provocou, ainda em 1936, que Olga fosse deportada para a Alemanha nazista. É necessário lembrar que em 1936 a perseguição aos judeus na Alemanha já era fato consumado. Getúlio Vargas, o governo e a sociedade brasileira sabiam precisamente para onde estavam enviado a judia Olga. O fim da história já nós é conhecido, a industria do genocídio judeu faz de Olga uma entre suas milhões de vitimas.

Analisando a trajetória de Olga, qual é o legado que fica para os dias de hoje?

Primeiro, podemos analisar Olga como alguém que não aceitou o mundo como lhe foi dado. Concordando ou não com sua história política, em um momento de falta de representatividade e respostas satisfatórias, tanto no plano politico, quanto social -econômico, Olga é um grande exemplo de alguém que não se acomodou e lutou pelos seus ideais.

Por outro lado, a conjuntura política atual no Brasil pode ser vista como catalizador de conflitos sociais, e principalmente responsáveis por um aumento de uma naturalização do ódio e da falta de dialogo entre estes diferentes grupos ideológicos. Este ódio passa pela desumanização do outro, a mesma desumanização que Olga “sentiu na carne”. Quando não enxergamos naquele que não faz parte do nosso grupo social, politico ou econômico uma pessoa tão complexa e merecedora dos mesmos direitos, é porque estamos desumanizando ela. E isto atualmente se manifesta verbalmente através de termos: “esquerdista”, “coxinha”, “comunista”, “fascista”. Na rotulação do outro, que deixa de ser um ser complexo humano e passa a ser somente uma característica, morre a humanidade e nasce a banalidade do mal.

Para Getúlio Vargas Olga não era uma mulher corajosa que corria atrás de seus ideais, mas sim uma simples comunista que merecia ser deportada sem qualquer questionamento. Hittler, ou o sistema nazista, nunca olhou pra ela como uma pessoa, mas sim uma relés judia que deveria ser varrida do mapa, pois sua “raça” não era merecedora da vida. E por último, devemos nos perguntar: ainda em 2016, o que é ser mulher? Quantos rótulos, quantos salários mais baixos, quantos padrões comportamentais e estéticos  nós ainda reproduziremos dentro da palavra “mulher”?

Talvez para o nosso contexto atual, a humanização do outro seja o legado que a história  dela pode nós trazer como primeiro ponto para uma sociedade mais saudável. É verdade que Olga foi mulher, comunista e judia. Mais do que isto, ela foi seus feitos, lutas, erros e acertos, e como todos nós que temos nossa própria história, mais do que qualquer adjetivo generalista, ela foi principalmente Olga Benário.

Trecho retirado da carta de despedida, escrita dentro do campo de concentração em Bernburg, Alemanha.

Olga Benário e o comunismo

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Olga Benário nasceu em Munique, na Alemanha, em 1908. Seu pai era advogado e sua mãe uma dama da alta sociedade. Apesar de pertencer a uma família burguesa que não apoiava suas crenças, ainda adolescente iniciou sua relação com o comunismo – resultado da influência de seu pai, que se dedicava às causas trabalhistas.

Com apenas 15 anos ingressou na militância política, ocupando posição de destaque dentro do Movimento Comunista Alemão. Aos 16, casou-se com Otto Braun, que compartilhava dos mesmos ideais e era integrante do Partido Comunista Alemão.

Em 1928, participou do V Congresso da Juventude Comunista, em Moscou. Três meses após seu retorno à Alemanha, Olga e Otto são presos sob acusação de atitudes subversivas e traição à pátria. Olga foi solta, porém Otto permaneceu na prisão. Juntamente com seus colegas, Olga invadiu a prisão de Moabit e libertou seu marido.

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Luís Carlos Prestes e Olga Benário

Assim que foi solta, fugiu para a URSS, onde trabalhou na  Komintern – Internacional Comunista -, uma organização internacional fundada por Lenin e pelo PCUS – Partido Comunista da União Soviética – a fim de reunir os partidos comunistas de diferentes países, tornando-os seccionais da confederação internacional. Neste período, já separada de Otto, Olga conhece Luís Carlos Prestes – um  destacado líder revolucionário brasileiro, que vivia exilado na URSS desde 1931.

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Força e resistência eram duas as principais características de Olga. Ela falava quatro idiomas, pilotava aviões, saltava de paraquedas e era uma talentosa amazona.

Em 1934, em uma reunião de delegados sul-americanos da Internacional  Comunista, ficou estabelecido de Prestes retornaria ao Brasil para articular uma insurreição armada fim de instalar um governo revolucionário em seu país de origem. Prestes seria acompanhado por um pequeno grupo de experimentados revolucionários, encarregados de auxiliá-lo na preparação da revolta. Por conta de suas habilidades, Olga foi selecionada para fazer parte deste grupo de estrangeiros e  foi responsável garantir o retorno de Prestes com segurança ao Brasil. Para isto, viajaram com passaportes falsos através de Nova Iorque, fazendo o papel de marido e mulher, para não levantar suspeitas do seu retorno.

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Passaportes falsos utilizados para o ingresso no Brasil sem levantar suspeitas.               FONTE: Café História

Luís Carlos Prestes

Luis Carlos Prestes


Luís Carlos Prestes nasceu em janeiro de 1898, na cidade de Porto Alegre. Foi um militar e político comunista brasileiro. Filho de Antonio Pereira Prestes e Maria Leocádia Felizardo Prestes, formou-se no secundário no Colégio Militar e em Engenharia Militar pela Escola Militar do Realengo – hoje conhecida por Academia Militar das Agulhas Negras -, no Rio de Janeiro, em 1919. Foi engenheiro ferroviário no mesmo estado, até ser transferido para o Rio Grande do Sul.

No exército, e já capitão, aos poucos foi formando o seu grupo de comandados que vieram de várias partes da região. Esse grupo passou a ser conhecido como Coluna Miguel Costa-Prestes, que percorrera mais de 25 mil quilômetros pelo interior do país pregando reformas políticas e sociais e atuando contra os governos de Arthur Bernardes e Washington Luís. No final de 1928, passou a estudar a obra de Marx na Bolívia, quando a maior parte do seu grupo havia se exilado. Em 1930, regressou a Porto Alegre e recebeu o convite de Getúlio Vargas para comandar militarmente a Revolução de 30. Recusou-se a apoiar ao movimento, colocando-se contra a aliança entre os tenentistas e as oligarquias dissidentes.

Em 1931, mudou-se para a União Soviética, onde trabalhou como engenheiro e estudou a obra marxista-lenista. Por pressão do Partido Comunista da União Soviética, foi aceito como filiado pelo Partido Comunista do Brasil, em agosto de 1934, onde conheceu Olga Benário.