Álvaro Vieira Pinto e o ISEB

1 – O ISEB

O Instituto Superior de Estudos Brasileiros – ISEB – foi criado em 1955, através do Decreto nº 37.608, durante o Governo de Café Filho. Conforme o art. 2º deste decreto, o ISEB tinha por finalidade “o estudo, o ensino e a divulgação das ciências sociais, notadamente da sociologia, da história, da economia e da política, especialmente para o fim de aplicar as categorias e os dados dessas ciências à análise e à compreensão critica da realidade brasileira, visando à elaboração de instrumentos teóricos que permitam o incentivo e a promoção do desenvolvimento nacional.”.

Nascido de um esforço de vários intelectuais das ciências sociais atuantes principalmente em duas organizações diferentes, a Liga de Emancipação Nacional e o Grupo Itatiaia, o ISEB tinha como característica principal “a convicção de que somente com o debate e o confronto das ideias seria possível formular um projeto ideológico comum para o Brasil.” (RODRIGUES).

Esses dois grupos tinham características bem diferentes. A Liga era integrada principalmente comunistas; que tinha por finalidade, conforme o art 1º de seu estatuto, “cultivar as tradições de independência e civismo e pugnar pela ampla e real emancipação do Brasil.” (PENNA). O Grupo Itatiaia, por sua vez, era formado por intelectuais de várias vertentes; que tinham como foco inicial o debate teórico-filosófico com “desejo de impulsionar um pensamento genuinamente brasileiro.” (BARIANI JUNIOR), este grupo também formou, em 1953, o Instituto Brasileiro de Economia, Sociologia e Política (IBESP).

2 – O contexto

Vale lembrar que o ISEB nasce num contexto conturbado. Na década de 1950, o Brasil vivia transformações econômicas, sociais e políticas decorrentes da implementação da industrialização. No âmbito internacional, acontecia a Guerra Fria, golpes na América Latina, revolução cubana… O primeiro momento do ISEB foi bastante institucionalizado, e os intelectuais elaboravam projetos para o Estado. Num segundo momento, já no governo João Goulart, o ISEB – em conjunto com o PCB – foi uma das principais instituições que deram o tom da esquerda política no Brasil nos anos 1950 e 1960.” (RODRIGUES).

3 – Álvaro Vieira Pinto e sua atuação no ISEB

Álvaro Viera Pinto, foi levado à chefia do Departamento de Filosofia do ISEB em 1955 e, por entender que “a cultura, no sentido de um conjunto de manifestações artística, conjuntamente com a atividade educacional, pudesse aproximar a massa da população a realidade do país”, defendia “o engajamento cultural como mecanismo de transformação da realidade brasileira.”. (MARTINI). Foi nesse período, enquanto chefe do Departamento de Filosofia, que desenvolveu seu livro Consciência e Realidade Nacional (publicado em 1960).

Uma excelente tomada cronológica de sua atuação no ISEB encontra-se na página <http://www.alvarovieirapinto.org/>, mantida por um grupo de pesquisa em Tecnologia da UTFPR e reproduzida abaixo em sua quase totalidade.

1955 Começa a chefiar o Departamento de Filosofia do ISEB

“Por aproximadamente cinco anos atuou na Universidade do Brasil e, com a criação do ISEB, em 1955, foi convidado por Roland Corbisier para assumir o Departamento de Filosofia uma vez que já fazia parte do conselho consultivo do mesmo órgão.” (FÁVERI, 2014, p.96)

(…) depois que seu nome foi aprovado para o conselho consultivo quando da criação do ISEB. Aproximadamente um ano depois, em 14/05/56, inaugura o primeiro curso regular, escreve e profere o discurso “Ideologia e Desenvolvimento Nacional”, que o próprio Instituto viria a publicar como um dos seus primeiros escritos sobre o assunto. Permanece no cargo até assumir a diretoria executiva, sendo substituído por Wanderley Guilherme dos Santos.” (FÁVERI, 2014, p.97, adição nossa)

“Em 1955, preterindo ao projeto de confecção de uma enciclopédia brasileira de filosofia com Euralo Canabrava (…) Vieira aceita o convite de Roland Corbisier para chefiar o Departamento de Filosofia do recém-criado Instituto Superior de Estudos Brasileiros”. (CÔRTES, 2003, p.318)

“A atividade de docência [de Vieira Pinto] foi marcada por duas etapas distintas: (…) A segunda etapa é aquela que coincide com sua permanência como docente no ISEB. Foi nesse período que organizou as análises que compõe sua vasta e importante contribuição para a organização do pensamento filosófico brasileiro. (…) no tempo do ISEB, podia dedicar-se aos princípios filosóficos gerais para fundamentar sua análise da realidade do país, à qual dedica todos os seus estudos dali para frente. Podemos dizer que Vieira Pinto é um filósofo que empreende uma dinâmica de pensamento dialético aplicado à realidade concreta do Brasil para compreendê-la e propor alguma perspectiva de superar as problemáticas inerentes à sua época.” (FÁVERI, 2014, p.96–97, adição nossa)

1955- Trabalho no ISEB

“Essa relação [entre Maria Aparecida Fernandes e Álvaro Vieira Pinto] iniciou-se no ISEB

“Vieira Pinto — Depois entra outro período [de atividade de docência para Álvaro Vieira Pinto], que é o do aparecimento do ISEB, e o convite casual que recebi de Roland Corbisier, para ser professor de Filosofia no ISEB. Isto em 1955. Com a entrada para o ISEB fui mudando aos poucos de orientação, fui tomando uma orientação mais objetivista, menos idealista e deixando de lado toda aquela forma clássica de ensinar História da Filosofia, que era puramente repetir o que o outro disse. Passei a fazer uma exposição sobre o autor e depois a crítica, o que me dava oportunidade de alargar mais o meu campo de pensamento, embora sem jamais ter chegado a impor a ninguém qualquer idéia extremista, ou qualquer idéia que julgava tal, que fosse considerada indevida num currículo de Filosofia. Na Faculdade [anterior] de Filosofia jamais saí da linha puramente ortodoxa do ensino da Filosofia; o que fazia era seguir os autores, naturalmente que se o autor dissesse alguma coisa com a qual eu não concordava tinha que dizer o mesmo, porque a minha obrigação era ensinar, não o que eu pensava, mas o que os outros pensavam. Então eu tinha que repetir, resumir, repetir e depois fazer alguma crítica, mas muito pouco elaborada, porque senão eu perderia muito tempo na crítica e acabava não podendo adiantar a matéria.

Saviani — O senhor assumiu a perspectiva existencialista?

Vieira Pinto — Realmente, nessa época, como estava numa transição rápida, eu assumi muitas das posições existencialistas que não conhecia até então, e assim tive oportunidade de sentir o que havia de verdade nelas, não apenas no sistema que apresentavam, mas nos conceitos que se podiam aproveitar e procurava formular por mim novas maneiras de expor certas idéias de ordem humanista, de ordem historicista e nacionalista; e acabou sendo o oposto do próprio existencialismo, mas que tinha tirado do existencialismo, no sentido de que via a realidade do homem passando por aquela situação e chegando a outras conclusões. Depois, quando fecharam o ISEB, fui para o exílio.” (Álvaro Vieira Pinto em entrevista concedida a Dermeval Saviani, 1981 In. VIEIRA PINTO, 2010, p.18-19)

1956 Ministra a aula inaugural do ISEB e Ministra aulas no Paraguai

“Em maio de 1956, através do Itamaraty e a convite do embaixador do Brasil no Paraguai, Negrão de Lima, Álvaro Vieira Pinto leciona na Universidade Colombiana e também na Universidade Nacional do Paraguai, onde recebe o título de doutor honoris causa.” (CÔRTES, 2003, p.319)

“Em 14 de maio de 1956, no auditório do prédio do MEC, com a presença do presidente Juscelino Kubitschek, proferiu a aula inaugural do ISEB: “Ideologia e desenvolvimento nacional”.” (CÔRTES, 2003, p.319)

1957 Publicação de Filosofia Acual

“Em maio de 1956, através do Itamaraty e a convite do embaixador do Brasil no Paraguai, Negrão de Lima, Álvaro Vieira Pinto leciona na Universidade Colombiana e também na Universidade Nacional do Paraguai, onde recebe o título de doutor honoris causa. Por iniciativa da missão cultural brasileira, as anotações de seus alunos em Assunção foram publicadas no ano seguinte sob o título Filosofia Actual. Revista e aprovada pelo autor, esta apostila é uma notável exposição da fenomenologia, do existencialismo e das principais idéias de Kierkergaard, Heidegger, Sartre e Karl Jaspers.” (CÔRTES, 2003, p.319)

“No mês de abril de 1957, como resultado de um curso dado por Vieira Pinto sobre Filosofia em Assunción, batizado como Missión Cultural Braisliana, foram publicadas, por José Maria Rivarola Matto, anotações de aulas, composto de 145 páginas, como título Filosofia actual, que se encontra na língua espanhola, ainda inédito no Brasil.” (FÁVERI, 2014, p.99)

“Álvaro Vieira Pinto estava totalmente envolvido por esse revival historicista-fenomenológico-existencialista. Em 1956, meses antes de assumir a chefia do Departamento de Filosofia do ISEB, ofereceu um curso na Universidade de Assunção sobre a Filosofia Atual, onde deu aulas sobre esse percurso filosófico que vai de Kant a Jaspers. Os temas dessas lições de Assunção ressurgem quando ele traduz e publica, pelo ISEB, Razão e anti-razão de Karl Jaspers (o primeiro título da coleção Textos de Filosofia Contemporânea que o Insituto pretendia editar, mas não chegou a ir adiante); também serão retomados em 1960, em Consciência e realidade nacional, e continuarão presentes em Ciência e Existência, que escreveu em 1967 no Chile, já no exílio.” (CORTES, 2006, p.298-299)

1958 Publica a tradução o livro Razão e anti-razão de Jaspers e escreve a Introdução deste.

“Além de traduzir o livro, escreveu a “Introdução” Razão e anti-razão em nosso tempo, de Karl Jaspers, publicado pelo ISEB em 1958. Assim, iniciava a coleção Textos de Filosofia Contemporânea do ISEB, cujo plano editorial pretendia traduzir os pensadores mais representativos das correntes filosóficas então em voga — Gabriel Marcel, Sartre, Ortega y Gasset, A. J. Ayer, Lucaks, Lefevre e outros.” (CÔRTES, 2003, p.320, grifo da autora)

“Em 1956, meses antes de assumir a chefia do Departamento de Filosofia do ISEB, ofereceu um curso na Universidade de Assunção sobre a Filosofia Atual, onde deu aulas sobre esse percurso filosófico que vai de Kant a Jaspers. Os temas dessas lições de Assunção ressurgem quando ele traduz e publica, pelo ISEB, Razão e anti-razão de Karl Jaspers (o primeiro título da coleção Textos de Filosofia Contemporânea que o Insituto pretendia editar, mas não chegou a ir adiante); também serão retomados em 1960, em Consciência e realidade nacional, e continuarão presentes em Ciência e Existência, que escreveu em 1967 no Chile, já no exílio.” (CORTES, 2006, p.298-299)

“Vieira Pinto apresentou a coleção e a intenção de publicar posteriormente os mais representativos pensadores das principais correntes filosóficas do período, isto é, a filosofia da existência (em seu diálogo com), o marxismo e, finalmente, a filosofia analítica. O plano editorial não chegou a ser realizado, mas estavam previstos os lançamentos de livros de Gabriel Marcel, Jean Paul Sartre, A. J. Ayer, Ortega y Gasset, Lefêvre e Lukács.” (CÔRTES, 2006, p.299)

1959 Prefacia livro de Michel Lebrun

“Em 1959, ainda como chefe do departamento de Filosofia, prefacia, a convite de Michel Lebrun, a obra de duzentas e oitenta quatro páginas de sua autoria intitulada “Ideologia e realidade”, publicada pelo ISEB, no Rio de Janeiro, no mesmo ano.” (FÁVERI, 2014, p.99)

1960 Encontra-se com Jean-Paul Sartre

“Ontem, pela manhã, conversaram no bar do Hotel Miramar, em Copacabana, com o filósofo Jean-Paul Sartre, os Professores Rolan Corbisier, Álvaro Vieira Pinto e Cândido Mendes de Almeira. A conversa, que durou mais de três horas, versou sobre nacionalismo e colonialismo.” (ÚLTIMA HORA, 30 de agosto de 1960)

1960-1961 Escreve Consciência e Realidade Nacional

“Na chefia do Departamento de Filosofia do Instituto, inicia a confecção de “Gênero e formas da consciência nacional”. Publicado em dois grandes volumes — o primeiro em setembro de 1960 e o segundo em junho de 1961 — sob o título de Consciência e realidade nacional (…) Motivo de rápida reação do público especializado, entre maio de 1962 a abril do ano seguinte, CRN foi objeto de vários comentários críticos.” (CÔRTES, 2003, p.320, grifo da autora)

Nos meses de setembro e outubro de 1960, foi impresso, na cidade do Rio de Janeiro, pela Escola Técnica Nacional, do Ministério da Educação e Cultura, para o ISEB, responsável pela publicação da obra composta por dois volumes, Consciência e realidade nacional, de autoria de Álvaro Vieira Pinto. O primeiro volume foi impresso e publicado no mês de setembro de 1960, composto de quatrocentas e trinta páginas; o segundo volume foi impresso e publicado no mês de junho de 1961, composto de seiscentas e trinta nova páginas.” (FÁVERI, 2014, p.99)

1961 Assume a diretoria executiva do ISEB

“(…) no período em atuou como diretor do ISEB (1961-1964)” (LIMA, 2015, p.101)

“assume o posto de diretor executivo [do ISEB] no lugar de Roland Corbisier” (FÁVERI, 2014, p.99, adição nossa)

“Nesta mesma ocasião, Roland Corbisier foi eleito deputado estadual constituinte pelo Partido Trabalhista Brasileiro, deixando vaga a direção executiva do ISEB. O Ministro da educação indicou Álvaro Vieira Pinto para ocupar cargo. Ao assumir o Instituto, Vieira enfrentou graves problemas financeiros somados a uma feroz campanha difamatória incessantemente movida por grupos de direita e pela imprensa.” (CÔRTES, 2003, p.320)

“(…) desde 1961 as verbas para o Instituto tinham sido cortadas, deixando todo o

projeto vulnerável.” (LOVATTO, 2010, p.97)

‘SODRÉ (1978) ao referir-se a essa campanha de difamação promovida contra o ISEB fala do corte de verba: “Em 1961, o ISEB ficaria privado de sua verba orçamentária, era excluído do orçamento. Ocorrera na Câmara, tão simplesmente, a subtração, nas folhas do Ministério da Educação, do item referente ao ISEB; a rubrica ISEB desaparecera. Quando, ao iniciar os seus trabalhos, em 1961, o ISEB planejou suas atividades, a administração deparou a extraordinária singularidade: não dispunha de verba para coisa alguma. (…) Com redobrado esforço e sacrifício dos professores, foram impulsionados os cursos extraordinários, os seminários, as conferências, no ISEB ou fora dele. Nunca trabalhamos tanto” (SODRÉ, 1978: 64).’ (em LOVATTO, 2010, p.97)

“Permanece no cargo [de Diretor de Filosofia] até assumir a diretoria executiva, sendo substituído por Wanderley Guilherme dos Santos.” (FÁVERI, 2014, p.97, adição nossa)

“O papel do ISEB foi fundamental porque o instituto tinha passado por mudanças significativas no início dos anos 1960. Depois de uma fase marcada pelo nacional-desenvolvimentismo, o último ISEB, como ficou conhecido, passou à direção de Álvaro Vieira Pinto, a partir de 1962. Essa fase correspondeu às lutas pelas Reformas de Base e a conseqüente radicalização política do período. Outro nome marcante desta fase do instituto foi Nelson Werneck Sodré. O primeiro propôs o projeto que originou os Cadernos do povo brasileiro e o segundo propôs a coleção História Nova do Brasil. Estes aspectos serão aprofundados adiante.” (LOVATTO, 2010, p.92)

1961-1962 Publica “A questão da universidade” e “Por que os ricos não fazem greve?”

“Este livro [A Questão da Universidade] de Álvaro Vieira Pinto foi escrito no alvorecer da década de 60 e publicado pela editora da UNE (União Nacional de Estudantes).

Seu conteúdo é a expressão viva da coragem e idoneidade intelectual do autor. De forma serena e refletida constitui, no entanto, um libelo de certo modo violento ao elitismo, conservadorismo, arcaísmo e alienação das estruturas universitárias a serviço da dependência cultural imposta pelos interesses dos grupos que dominam economicamente e, por consequência, impõem seu poder ao conjunto da sociedade.” (Introdução de Demerval Saviani escrita em dez. 1985 apud VIEIRA PINTO, 1986, p.5, adição nossa)

“É importante situar e datar o livro [A questão da Universidade]. Escrito em 1961, situa-se no bojo do processo que então se caracterizava como pré-revolucionário. Esta situação demarca as lutas da época. A sociedade tendia a se polarizar entre os que se colocavam a favor do objetivo revolucionário empenhando-se em tornar realidade a tendência em curso e aqueles que se colocavam contra, procurando preservar a ordem vigente e se utilizando de todos os recursos disponíveis para frustrar os intentos transformadores.” (Introdução de Demerval Saviani escrita em dez. 1985 apud VIEIRA PINTO, 1986, p.5, adição nossa)

“Em 1962, fez publicar dois livros: A questão da universidade e Por que os ricos não fazem greve? O primeiro resulta de conferências feitas em Belo Horizonte, publicadas pela Editora Universitária, formada por lideranças estudantis ligadas à União Metropolitana e à UNE, enquanto o último é uma publicação da série Cadernos do Povo Brasileiro, cuja coordenação Vieira Pinto assumiu a convite de Ênio Silveira.” (CÔRTES, 2003, p.320, grifos da autora)

“No início dos anos 60, época das grandes mobilizações de massa para as reformas de base, entre elas a do ensino, Vieira Pinto produz a obra A questão da universidade, originária de uma conferência proferida em Belo Horizonte e publicada naquele ano pela UNE. A obra é composta por cento de duas páginas e mais tarde publicada pela Editora Cortez. Parece que essa obra foi produzida em 1962.” (FÁVERI, 2014, p.99)

“Nesse mesmo ano [1992], Vieira Pinto produz e publica, pela editora Civilização Brasileira, Por que os ricos não fazem greve, composta de centro e dezoito páginas, obra que faz parte da coleção Cadernos do Povo Brasileiro.” (FÁVERI, 2014, p.99, adição nossa)

“[…] aquele livro [A questão da Universidade] foi uma conferência que fiz em Belo Horizonte e depois a diretoria da antiga UNE me pediu para publicar.” (Álvaro Vieira Pinto em entrevista concedida a Dermeval Saviani, 1981 In. VIEIRA PINTO, 2010, p.22, adição nossa)

1962 Assina documento “Por que votar contra o parlamentarismo no plebiscito?” para o ISEB

“Representando a Congregação de Professores e Alunos do ISEB, Álvaro Vieira Pinto ficou responsável por redigir, publicar e divulgar amplamente no Brasil, o documento composto de trinta e uma páginas intitulado “Por que votar contra o parlamentarismo no plebiscito?”, publicado em nome do e pelo ISEB, em 19 de outubro de 1962, no Rio de Janeiro.” (FÁVERI, 2014, p.99)

“Por iniciativa do Ministério da Educação, cujo titular era Darcy Ribeiro, o ISEB, entidade ligada à burocracia do ministério, foi encarregado de confeccionar um panfleto para o convencimento do público quanto à necessidade de reversão ao sistema presidencial. O resultado foi Por que votar contra o parlamentarismo no plebiscito?, assinado por Álvaro Vieira Pinto, diretor da entidade. O panfleto foi aprovado pela congregação de professores do ISEB no dia 24 de outubro. Quando começou a circular com mais vigor, em dezembro, gerou protestos de setores conservadores no Congresso” (MELO, 2009, p.162)

“Mas, antes de tais declarações, o panfleto isebiano foi também alvo de campanha difamatória dos jornais conservadores. No início de dezembro, O Globo estampou a manchete “Dinheiro da Nação custeia propaganda comunista do ISEB”, e em reportagem afirmou tratar-se de um “manifesto vazado em termos perfeitamente harmônicos com a doutrina comunista”. Dando sequência à campanha difamatória contra o ISEB, O Globo publicou uma pequena reportagem, que vale a pena ser reproduzida:” (MELO, 2009, p.162)

“O diretor do ISEB, sr. Álvaro Vieira Pinto, declarou ontem a O GLOBO que a entidade se reserva o direito de não revelar a origem de sua brochura Por que votar contra o parlamentarismo no plebiscito?, que foi impressa sob encomenda do Ministro da Educação, Darcy Ribeiro.

A publicação está vazada em dialética tipicamente comunista, e tem sido amplamente distribuída em órgãos públicos, organizações estudantis, entidades e ao público em geral. Inquirido a respeito do custo da publicação, de que verba saiu o pagamento e se há outros trabalhos encomendados, disse o sr. Álvaro Vieira Pinto que, sendo o ISEB um órgão diretamente subordinado ao Ministro da Educação, a este competia a divulgação de fatos referentes à vida e atividades da entidade.”

(Jornal O Globo, 5 de dezembro de 1962, p.7 apud MELO, 2009, p.163)

“Mas ao lado deste tipo de campanha ideológica, também tiveram vez ações mais extremadas contra o panfleto do ISEB e os próprios diretores da entidade, como as do governador da Guanabara, Carlos Lacerda, e do DOPS local. Segundo O Semanário, o panfleto isebiano foi objeto de perseguição da Polícia Política da Guanabara. (…) Tanto Lacerda como os agentes do DOPS tentaram negar a prisão de Álvaro Vieira Pinto e a tentativa de apreensão do panfleto, mas o advogado de defesa do diretor do ISEB reafirmou a existência da ação arbitrária e a invasão da Gráfica Lux (onde foi impresso o panfleto), onde se tentou “apreender centenas de exemplares que lá se encontravam, bem como as matrizes tipográficas”. Tal ocorrido motivou o órgão da Frente Parlamentar Nacionalista a publicar em primeira mano todo o panfleto. “Em primeira mão na impressa do país o folheto proibido do ISEB”, assim noticiou O Semanário na capa de sua edição de número 315.” (MELO, 2009, p.163)

“Segundo a pesquisadora Alzira Alves Abreu, o mesmo [panfleto, Por que votar contra o parlamentarismo no plebiscito?] foi na verdade redigido pelo chefe do Departamento de História do ISEB, Osny Duarte Pereira* — um jurista nacionalista, identificado com as campanhas pelo petróleo e colaborador permanente de O Semanário —. sendo sua assinatura por Álvaro Vieira Pinto (diretor do ISEB) talvez uma estratégia para reafirmar que seu conteúdo era aprovado por todo o instituto. Trata-se de um documento dividido em trinta e seis pontos, iniciando com uma reflexão histórica sobre as formas de governo, desde a Antigüidade clássica, passando logo em seguida pela China imperial, onde, segundo o autor, teria tido origem a idéia de divisão de poderes. Em seu conjunto, o panfleto se divide em argumentos antiparlamentarisrtas que envolvem uma justificativa ou razão histórica, uma razão jurídica e uma razão política na orientação do voto do leitor.” (MELO, 2009, p.164-165, adição nossa) (* em nota de rodapé consta: (ABREU, Alzira Alves. “Instituto Superior de Estudos Brasileiros (Iseb).” In. FERREIRA & AARÃO REIS, As esquerdas no Brasil. op. cit., p.409-432, a informação está na página 430)

1963 Publica “Indicações metodológicas para a definição de subdesenvolvimento”

“Em julho de 1963, publica, pela Revista Brasileira de Estudos Sociais do Departamento de Ciências Econômicas da Universidade de Minas Gerais, o artigo “Indicações metodológicas para a definição de subdesenvolvimento”.” (CÔRTES, 2003, p.320-321, grifos da autora)

“Em meio a essa mobilização nacional populista, em 1963, desencadeia-se uma campanha anti-isebiana através dos meios de comunicação e, em meio a esta agitação social, Álvaro Vieira Pinto, escreve um artigo de vinte sete páginas, em julho de 1963, publicado na Revista Brasileira de Ciências Sociais, de publicação quadrimestral, no vol. III de julho de 1963 – n.2, p.242-279, com o título “Indicações metodológicas para a definição do subdesenvolvimento”, para responder às críticas de leitores e estudiosos contrários a sua concepção de subdesenvolvimento.” (FÁVERI, 2014, p.99-100)

1963-1964 ISEB e a imprensa

“No Rio, o jornal O Globo mantém acesa campanha contra o ISEB. Em fins de janeiro de 1963, respondendo a uma solicitação do Centro de Portugueses do Ultramar, Vieira Pinto se recusa a receber no Instituto “qualquer agente de propaganda da tirania salazarista”. Meses depois, esse episódio serve de estopim para uma avalanche de insultos e acusações publicados na imprensa carioca. A Última Hora e o Diário de Notícias se lançam na defesa de Vieira Pinto e o proclamam um “democrata militante a serviço do povo e da causa de sua emancipação” (UH, 15/8/63) ” (CÔRTES, 2003, p.321, grifos da autora)

“Depois que assumiu a diretoria executiva do ISEB, de modo especial no segundo semestre de 1963 e início de 1964, devido uma campanha massiva desencadeada nos meios de comunicação de massa com a intenção de difamar o instituto como baderneiro e comunista, para vinculá-lo aos movimentos de esquerda marxistas, Vieira Pinto sofreu uma perseguição implacável para ser preso, julgado e responsabilizado por atos de que era acusado no órgão que dirigia. Não tendo outra alternativa, pediu exílio na Iugoslávia e, com o apoio de seu irmão Arnaldo, escapou ao cerco dos policiais e embarcou para o exterior. Muitos livros foram incinerados e alguns manuscritos incompletos que o filósofo estaria escrevendo também desapareceram, segundo Mariza Urban.” (FÁVERI, 2014, p.94)

“A grande maioria dos isebianos compartilhava a mesma postura de Vieira Pinto nos compromissos da instituição e nos discursos, mas, na prática, quando se ratava de articular e defender publicamente a autenticidade ideológica do Instituto, muitos colegas não davam apoio à Vieira Pinto, acusando-o de traidor dos objetivos e da filosofia primeira a que se propunha o ISEB, no ato de sua criação. Basta ler a depoimento de Jaguaribe, quando perguntado sobre Vieira Pinto. Roland Corbisier, também, não deu apoio a Álvaro e ao ISEB. Mesmo ocupando uma cadeira no legislativo, não se esforçou em angariar recursos para ajudar o Instituto a sair da crise, por exemplo. E assim fizeram outros isebianos que movidos por diversos motivos, abandonaram o ISEB, quando esse não vinha ao encontro de seus interesses pessoais e profissionais. Somente Werneck Sodré continuou apoiando Álvaro, às vésperas do golpe.” (FÁVERI, 2014, p.100)

1964 Golpe militar no Brasil, extinção do ISEB e Casamento com Maria Aparecida Fernandes

“Com o golpe militar, o ISEB foi invadido e seu acervo, biblioteca e móveis inutilizados, espalhados pelos jardins da casa na Rua das Palmeiras, Botafogo. Em 13 de abril de 1964, o governo decreta a extinção do Instituto. Logo em seguida, é instaurado o IPM no qual são arroladas mais de 50 pessoas entre os professores, os Ministros da Educação Clóvis Salgado, Paulo de Tarso e Oliveira Brito, vários deputados e três Presidentes da República— JK, Jânio e João Goulart.” (CÔRTES, 2003, p.321, grifos da autora)

“Nelson Werneck Sodré, Alex Vianni, Álvaro Vieira Pinto e eu descemos os trinta andares da Rádio Nacional pela escada de serviço, correndo. O golpe já estava dado, a UNE estava sendo incendiada, o jornal Última Hora tinha sido invadido e empastelado. Dirigi-me para a embaixada da Iugoslávia, cujo embaixador era um querido amigo. Chegamos na embaixada e a encontramos fechada (…) Assim que abriu entramos e ocupamos a embaixada como um asilo provisório. O embaixador chegou depois e confirmou que a situação estava mesmo ruim. Pedi para ficarmos lá por um tempo, umas horas, até que se definisse a situação. Ficamos vinte e quatro horas na embaixada da Iugoslávia, sem formalizar pedido de asilo; depois cada um foi para o seu destino.” (Ênio Silveira apud CÔRTES, 2003, p.321)

“Em 12 de junho de 1964, casou-se com Maria Aparecida Fernandes, que passou a ser chamada pelo mesmo nome, acrescido de Vieira Pinto. Essa relação iniciou-se no ISEB, onde ela ocupava o cargo de secretária, desde sua criação junto com a irmã Lourdes que era escrituária do mesmo órgão. Segundo parentes mais próximos, o casamento foi oficializado com separação de bens, em virtude da idade dos nubentes, acima dos cinquenta e cinco anos, antes de Álvaro sair do país às pressas. Segundo o que apuramos junto aos seus parentes, a decisão de casar deveu-se aos fato de ambos se sentirem mais em segurança, quando das adversidades que iriam passar no exílio, e a busca de um apoio legal útil frente à mudança radical de vida devido à perseguição militar que sofriam. Assim que se realizou o matrimônio, imediatamente abandonaram o país. Desse casamento não houve descendência.” (FÁVERI, 2014, p.94)

1964 Refúgio em Minas Gerais e pedido de asilo

“Cassado, Vieira se refugia. Em companhia de sua esposa, D. Maria, esconde-se no interior de Minas Gerais. Durante este período, por motivos de segurança adota o pseudônimo de Francisco Guimarães — um dos nomes fictícios com que mais tarde assinará diversas traduções para a Editora Vozes. Em setembro de 1964, ajudado novamente por Ênio Silveira, pediu formalmente asilo à Iugoslávia.” (Ênio Silveira apud CÔRTES, 2003, p.322)

“Não tendo outra alternativa, pediu exílio na Iugoslávia e, com o apoio de seu irmão Arnaldo, escapou ao cerco dos policiais e embarcou para o exterior.” (FÁVERI, 2014, p.94)

“Soubemos, então, que o professor Vieira Pinto partiu para o exílio em setembro de 1964.” (Dermeval Saviani, 1982 In. VIEIRA PINTO, 2010, p.11)

1964-1965 Exílio na Iugoslávia

REFERENCIAL BIBLIOGRÁFICO

BARIANI JUNIOR, Edison. Uma intelligentsia nacional: Grupo de Itatiaia, IBESP e os Cadernos de Nosso Tempo. Sociedade Brasileira de Sociologia, 2005, GT 13. Disponível em <http://www.sbsociologia.com.br/portal/index.php?option=com_docman&task=doc_download&gid=385&Itemid=171&gt;. Acesso em 18 de out. de 2015.

BRASIL. Câmara dos Deputados. Decreto nº 37.608, de 14 de Julho de 1955. Disponível em <http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1950-1959/decreto-37608-14-julho-1955-336008-publicacaooriginal-1-pe.html>. Acesso em 17 out. de 2015.

MARTINI, Renato Ramos – Os intelectuais do iseb, cultura e educação nos anos cinqüenta e sessenta. Revista Aurora, ano III, número 5 – DEZEMBRO DE 2009. Disponível em <http://www.marilia.unesp.br/Home/RevistasEletronicas/Aurora/MARTINI.pdf>. Acesso em 17 de out. de 2015.

PENNA, Lincon de Abreu – Caminhos da soberania nacional: os comunistas e a criação da Petrobrás. E-papers, 1ª edição, 2005.

RODRIGUES, Robson. – Nacionalismo, desenvolvimento e ideologia. Revista sociologia. Editora Escala, edição 29. Disponível em <http://sociologiacienciaevida.uol.com.br/ESSO/edicoes/29/artigo176117-1.asp>. Acesso em 17 de out. de 2015.

Ruy Mauro Marini – Vida e Obra

Este texto é parte da Tese de Doutorado de Paulo Abdala, defendida na UFRGS em 2014, intitulada “Organização do Conceito “Nova Classe Média”, dialética do consumo e superexploração renovada do trabalho” (ABDALA, 2014).

Ruy Mauro Marini, militante e intelectual, é um dos expoentes da TMD, reputado por muitos como seu mais importante formulador. Antes de apresentar suas principais ideias em um post subsequente, vou narrar brevemente o contexto de sua vida, tarefa facilitada por um texto autobiográfico elaborado para cumprir uma exigência quando de seu ingresso na Universidade de Brasília (MARINI, 1992).

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O primeiro momento de sua carreira intelectual, conforme recordado por Marini (1992), foi o estudo na recém fundada Escola Brasileira de Administração Pública (EBAP), na qual teve no sociólogo Alberto Guerreiro Ramos o grande influenciador de sua aproximação com as ciências sociais. Após a conclusão do curso passou dois anos na França, 1958 e 1959, período reconhecido como “o auge da teoria desenvolvimentista na América Latina e no Brasil”. Naquela época, já com alguma formação marxista, Marini (1992, p. 4) observou que as teorias do desenvolvimento, “em voga nos Estados Unidos e nos centros europeus, se revelaram, então, como o que realmente eram: instrumento de mistificação e domesticação dos povos oprimidos do Terceiro Mundo e arma com a qual o imperialismo buscava fazer frente aos problemas criados no após-guerra pela descolonização”. Essa percepção marcaria, desse ponto em diante, seu afastamento do pensamento Cepalino, levando-o a se aproximar do Partido Socialista. De fato, Marini, muito mais do que um acadêmico, foi um militante, sendo parte da constituição da Organização Revolucionária Marxista – Política Operária (POLOP[1]), primeira expressão no Brasil da esquerda revolucionária que emergia em toda a América Latina.

Em 1962, após alguns anos trabalhando como jornalista e concursado em um órgão público, Marini ingressou como assistente de ensino na recém formada Universidade de Brasília (UNB), juntando-se a nomes como Darcy Ribeiro, Vânia Bambirra, Theotonio dos Santos e André Gunder Frank. Marini (1992) se reporta a esse período, compreendido entre a fundação da UNB e o golpe civil militar, como uma das mais ricas experiências de sua vida acadêmica.

Com o golpe civil militar, Marini foi demitido junto com outros 12 professores, sendo mais tarde preso e forçado a seu primeiro exílio no México. Lá ministrou aulas, até 1969, no Centro de Estudos Internacionais do Colégio do México, dividindo parte do seu tempo com a tradicional Universidade Autônoma do México (UNAM). Durante esse período, publicou uma série de artigos analisando o caso brasileiro, sendo o mais importante “Subdesarrollo y revolución en América Latina”, texto que foi republicado em diversos idiomas, constituindo, mais tarde, o livro “Subdesenvolvimento e Revolução” (MARINI, 2012), no qual realiza uma análise da situação brasileira ao final dos anos 1960. Segundo Marini (1992, p. 11), esse ensaio é reflexo das investigações que o autor vinha realizando, dedicado “a demonstrar que o subdesenvolvimento é simplesmente a forma particular que assumiu a região [América Latina] ao se integrar ao capitalismo mundial”. Foi nessa época que o autor desenvolveu a categoria subimperialismo, central a suas formulações, conforme explicado na próxima Seção.

Em novembro de 1969, Marini desembarcou no Chile, depois do ambiente tornar-se conturbado para ele no México, reencontrando velhos conhecidos e futuros parceiros intelectuais, como Vânia Bambirra e Theotonio dos Santos. Em Concepción, onde assumiu uma vaga de professor oferecida quando ainda estava no México, se deparou com um clima efervescente de militância. Segundo ele, “num ambiente dessa natureza, é difícil distinguir o que foi atividade acadêmica e o que foi atividade política. Minha vida pessoal foi, de certo modo, anulada, em benefício de uma prática pedagógica incessante, nas salas de aula, nas reuniões com militantes, durante as refeições, nas tertúlias em minha casa, nas visitas a dirigentes e bases operárias” (MARINI, 1992, p. 15).

Ao final de 1970, com a ascensão de Salvador Allende à presidência do Chile, Marini mudou-se para Santiago, assumindo um cargo de docente no Centro de Estudos Socioeconômicos (CESO) da Faculdade de Economia da Universidade do Chile: ”O CESO foi, em seu momento, um dos principais centros intelectuais da América Latina. A maioria da intelectualidade latino-americana, europeia e norte-americana, principalmente de esquerda, passou por ali, dele participando mediante palestras, conferências, mesas-redondas e seminários” (MARINI, 1992, p. 16).

Em 1972, ainda na Universidade do Chile, publicou “Dialética da Dependência” (MARINI, 1991a): “tal como ficou, ‘Dialética da Dependência’ era um texto inegavelmente original, tendo contribuído para abrir novo caminho aos estudos marxistas na região e colocar sobre outras bases o estudo da realidade latino-americana” (MARINI, 1992, p. 17). Nele surge, pela primeira vez, a categoria superexploração do trabalho, fundamental para a compreensão da dependência, como será discutido no decorrer deste Capítulo.

O ensaio causou algumas reações imediatas, sendo a principal delas uma crítica de Fernando Henrique Cardoso que inaugurou uma polêmica e uma injustiça histórica com Ruy Mauro Marini. Segundo Prado (2011), o riquíssimo debate sobre a dependência, ocorrido na maioria dos países latino-americanos nos anos 1960 e 1970, não chegou ao Brasil, marcado, até pouco mais de uma década, por uma leitura unilateral das contribuições da teoria da dependência na vertente de Cardoso e Falleto[2] (1977). Durante os anos da ditadura civil militar, os autores marxistas que trabalhavam a dependência, muitos deles brasileiros, publicaram diversos textos e livros no exterior que não foram editados no Brasil.

No contexto do não-debate, Fernando Henrique Cardoso, autor de várias obras sobre o tema, tornou-se uma referência. Além de textos originais, Cardoso escreveu alguns ensaios criticando os intelectuais marxistas, um deles endereçado diretamente a Marini: “As Desventuras da Dependência”, escrito em parceria com José Serra (CARDOSO e SERRA, 1978). Utilizando um procedimento duvidoso, Cardoso e Serra transformaram citações e alteraram argumentos de Marini, que nem mesmo teve chance de se defender em seu próprio país. Enquanto em sua primeira publicação na Revista Mexicana de Sociologia o texto foi acompanhado pela resposta de Marini, denominada “Las Razones del Neodesarrollismo (respuesta a F.H. Cardoso e J. Serra)”, em sua versão divulgada no Brasil, na revista do CEBRAP, somente o texto de Cardoso e Serra estava presente (PRADO, 2011). A citação abaixo, retirada da resposta de Marini (2008, p. 166), foi deixada em espanhol propositalmente, para dar a dimensão da indignação do autor com relação à índole de seus críticos, que além de forjar argumentos, fugiram do debate de ideias:

En su conjunto, constituye un texto desaliñado y truculento, que deforma casi siempre mis planteamientos para poder criticarlos, manipula los datos que utiliza (o no utiliza) y que brilla por la falta de rigor, la torpeza e incluso el descuido en el manejo de hechos y conceptos. El lector lo entenderá mejor si toma en cuenta que va dirigido fundamentalmente a la joven generación brasileña, que conoce poco o casi nada de lo que he escrito. Esto es lo que lleva a los autores no sólo a “exponer” mi pensamiento, sino también a permitirse adaptarlo libremente a los fines que se han propuesto. Seguramente habrían procedido de otra manera si se dirigieran a un público más familiarizado con las tesis en cuestión.

Assim é que, durante longos anos, a maioria dos brasileiros somente conheceram a TMD a partir da crítica injusta de Cardoso e Serra (1978), pautando uma espécie de pensamento único muito propício à ciência da ocultação. Anos depois, Marini (1992, p. 32) diria que o texto de Cardoso e Serra (1978) foi, “sem dúvida, a coisa mais grosseira que escreveram sobre mim”. Sem me alongar demais nesse debate, resta dizer que nos últimos dez anos tem sido feita justiça ao pensamento de Marini e dos demais intelectuais da vertente marxista da teoria da dependência, com textos originais republicados e diversos livros, artigos e teses em produção (para um panorama completo ver Prado e Castelo, 2013).

Retomando a história da vida de Marini, em 1973, após o violento golpe militar chileno, ele embarcou para o Panamá. Depois de uma breve estadia nesse país foi para a Europa e passou a integrar a Sociedade Max Planck, um tradicional centro de pesquisas localizado em Munique. Em 1974 retornou para o México e para a UNAM, dividindo seu tempo entre os dois países até 1976, quando renunciou ao posto na Alemanha. Naquele período, dedicou-se também ao jornalismo, com colunas regulares em periódicos mexicanos.

Em 1979, com a anistia política, visitou pela primeira vez o Brasil desde o golpe civil militar, retornando a viver definitivamente no país em 1984, após longos 20 anos de exílio. O que Marini encontrou em seu regresso foi um ambiente acadêmico que cultuava, mais do que antes, as teorias importadas da Europa e dos Estados Unidos, virando-se de costas para a efervescência intelectual latino-americana. Até 1987 o autor ficou ligado à Fundação Escola de Serviço Público do Rio de Janeiro (FESP), órgão secundário da gestão estadual no qual Theotonio dos Santos ocupava cargo de diretoria.

Em 1987, o novo reitor da UNB, Cristovam Buarque, convidou Marini a se reintegrar aos quadros da Universidade, na qual teve uma participação ativa como coordenador do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política, membro do Conselho Acadêmico do Programa de Doutorado em América Latina e membro do Conselho Editorial da Universidade de Brasília. Marini continuou produtivo até o final de sua vida, em 1997 no Rio de Janeiro. Porém, conforme ele mesmo indica, em meados dos anos 1990 acabou se institucionalizando no sistema técnico-científico brasileiro, se afastando cada vez mais da militância e das preocupações centrais do momento mais fértil e original de sua produção intelectual, localizado nos anos 1960 e 1970.

Para concluir essa postagem trago a conclusão própria de Marini (1992, p. 40), presente no texto de balanço sobre sua vida e obra:

Cabe concluir insistindo num traço peculiar da teoria da dependência, qualquer que seja o juízo que dela se faça: sua contribuição decisiva para alentar o estudo da América Latina pelos próprios latino-americanos e sua capacidade para, invertendo pela primeira vez o sentido das relações entre a região e os grandes centros capitalistas, fazer com que, ao invés de receptor, o pensamento latino-americano passasse a influir sobre as correntes progressistas da Europa e dos Estados Unidos; basta citar, neste sentido, autores como Amin, Sweezy, Wallenstein, Poulantzas, Arrighi, Magdoff, Touraine. A pobreza teórica da América Latina, nos anos 80, é, numa ampla medida, resultado da ofensiva desfechada contra a teoria da dependência, fato que preparou o terreno para a reintegração da região ao novo sistema mundial que começava a se gestar e que se caracteriza pela afirmação hegemônica, em todos os planos, dos grandes centros.

REFERÊNCIAS

ABDALA, Paulo Ricardo. Organização do Conceito “Nova Classe Média”, dialética do consumo e superexploração renovada do trabalho. Tese de Doutorado, Escola de Administração, Universidade Federal do Rio Grande do Sul.  Disponível em: http://www.lume.ufrgs.br/handle/10183/96862.

CARDOSO, Fernando Henrique; SERRA, José. Las desventuras de la dialéctica de la dependencia. Revista Mexicana de Sociología, Instituto de Investigaciones Sociales, UNAM, México, 1978.

CARDOSO, Fernando Henrique; FALLETO, Enzo. Dependencia y desarrollo en América Latina. Buenos Aires: Siglo XXI Editores, 1977.

MARINI, Ruy Mauro. Subdesenvolvimento e Revolução. Florianópolis: Insular, 2012.

MARINI, Ruy Mauro. Memória. Ruy Mauro Marini Escritos, Unam, México, 1992. Disponível em: http://www.marini-escritos.unam.mx/001_memoria_port.htm. Acesso em 15 fev. 2014.

MARINI, Ruy Mauro. Las razones del neodesarrollismo (respuesta a F. H. Cardoso y J. Serra) (1978). Em publicación: América Latina, dependencia y globalización. Fundamentos conceptuales Ruy Mauro Marini. Carlos Eduardo Martins (Org.). Bogotá: Siglo del Hombre – CLACSO, 2008. Disponível em: http://bibliotecavirtual.clacso.org.ar/ar/libros/secret/critico/marini/06razones.pdf. Acesso em 16 Fev. 2014.

MARINI, Ruy Mauro. Dialéctica de la dependência. Ruy Mauro Marini Escritos, Unam, México, 1991a. Disponível em: http://www.mariniescritos.unam.mx/004_dialectica_es.htm. Acesso em 19 Ago. 2012.

OLIVEIRA, Joelma Alves. POLOP: as origens, a coesão e a cisão de uma organização marxista (1961 – 1967). Dissertação (Mestrado em Sociologia), Pós-Graduação da Universidade Estadual Paulista, Araraquara, 2007.

PRADO, Fernando. História de um não-debate: a trajetória da teoria marxista da dependência no Brasil. Comunicação & Política, v. 29, n. 2, p.68-94, 2011.

PRADO, Fernando; CASTELO, Rodrigo. O início do fim? Notas sobre a teoria marxista da dependência no Brasil contemporâneo. Pensata, Dossiê o papel da teoria marxista da dependência no pensamento social latino-americano, v. 3, n. 1, p. 10-30, 2013.

NOTAS DE FIM:

[1] A POLOP, desde 1961 até 1967, “procurou aglutinar os insatisfeitos com a orientação reformista do Partido Comunista Brasileiro” […] procurando “apresentar novas propostas aos trabalhadores para que, na medida em que fossem orientados por estas teses, trilhassem um caminho revolucionário” (OLIVEIRA, 2007, p. 53).

[2] Os autores defendem o desenvolvimento dependente, ou desenvolvimento associado, como ficou conhecido por seus comentadores, postulando o desenvolvimento em condições de dependência a partir de um sistema de alianças políticas entre as classes dominantes e o capital internacional.