Nísia Floresta: uma breve biografia

Texto de Bruna R. Mello e Cassiano C. da Costa

No período em que morou em Goiânia com seus pais, o espírito contestador de Nísia Floresta começou a aflorar: adquiriu fluência em italiano e francês, passando a condição de professora, nestas áreas do conhecimento. Após dois anos residindo em Goiânia, a família de Nísia retorna para Papari, interior do Rio Grande do Norte. Nesta ocasião, Nísia, que estava com 13 anos, casa-se com seu primeiro marido, Manuel Alexandre Seabra de Melo, de quem se separou logo em seguida, sendo perseguida e ameaçada de processo por abandono de lar. Após dois anos residindo na sua cidade natal, a família de Nísia é forçada, novamente, a abandonar o local, tendo em vista o movimento separatista que tomou conta do Rio Grande do Norte, obrigando-os a se mudarem, em caráter definitivo, para o Município de Olinda, abandonando de vez o Sítio Floresta. É em Olinda que Nísia conhece seu segundo companheiro, Manuel Augusto de Faria Rocha, com quem passa a viver conjuntamente aos 18 anos de idade.

Em 1832, sua obra mais conhecida e comemorada, intitulada “Direitos das Mulheres e Injustiça dos Homens” é publicada, recheada de críticas ácidas ao conservadorismo existente na época. Após a publicação do livro, Nísia e sua família se mudam para Porto Alegre, Rio Grande do Sul. O motivo real de sua mudança para o sul do país não está clara na história, mas logo após a chegada à capital gaúcha, o marido de Nísia Floresta falece. Em 1838, inicia a guerra dos Farrapos, movimento separatista do Rio Grande do Sul que pretendia a sua independência do Brasil. Nesse momento, a família de Nísia percebe que a condição para permanência no sul não é favorável. Assim, mudam-se para o Rio de Janeiro, onde Nísia funda os Colégios Brasil e Augusto para implementar os ideais que descrevera em seu primeiro livro publicado.

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Fachada do Colégio Augusto, no Rio de Janeiro.

Nísia foi pioneira no ensino brasileiro, não só por ser uma das primeiras dirigentes de instituições de ensino, mas também pela metodologia de ensino, que despertou a ira dos conservadores, tendo em vista o seu método de ensino, como palestras contra a escravidão e a favor da república. Em 1849, a filha de Nísia sofre um acidente grave e o médico que atendeu o caso recomendou uma mudança de ares o que motivou a decisão de se mudar para a Europa. Neste ponto, a história não é clara, pois existem alegações que afirmam que Nísia se muda por pressão dos conservadores que estavam descontentes com seus métodos de ensino e suas posições de vanguarda, bem como existem outros que alegam que a provável causa foi o acidente da filha. Em qualquer dos casos que motivaram a mudança, em dezembro de 1849, Nísia desembarca na França, rumando para Paris em seguida. No continente europeu ela viveu o restante dos 28 anos de sua vida.

Na Europa, Nísia publicou algumas obras em italiano e francês, sem tradução para português. Mas o destaque fica por conta de seu círculo de amizades que incluem as seguintes personalidades: Alexandre Herculano, Antônio Feliciano de Castilho, Alexandre Dumas, Lamartine, Duvernoy, Victor Hugo, George Sand, Manzoni e Azeglio. Também é importante ressaltar a amizade desenvolvida com o pai do positivismo, Auguste Conte, que frequentava a residência de Nísia nas reuniões por ela promovidas, e por quem ela desenvolveu enorme respeito e admiração, afirmando que se tratava de um “gênio”. Em 1853, Nísia publicou “Opúsculo Humanitário”, uma coleção de artigos sobre emancipação feminina, que foi merecedor de uma apreciação favorável de Auguste Comte. No entanto, ao contrário do que muitos afirmam, a adesão de Nísia a filosofia positivista foi parcial, motivada mais pelo elevado patamar destinado às mulheres. Nísia esteve de volta ao Brasil entre 1872 e 1875, mas há poucos registros sobre sua vida durante este período. Em 1878, publicou seu último trabalho  “Fragments d’un ouvrage inédit: Notes biographiques.”

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Capa do livro “Opúsculo Humanitário”.

Em 1885, Nísia Floresta falece aos 75 anos na França, vitimada por uma pneumonia, e foi enterrada no cemitério de Bonsecours. Em agosto de 1954, quase 70 anos após seu falecimento, seus despojos foram transladados pra o Rio Grande do Norte e levados para sua cidade natal, anteriormente chamada Papari, e que em sua homenagem passara a chamar-se Nísia Floresta. Primeiramente, eles foram depositados na igreja matriz, depois foram levados para um túmulo no sítio Floresta, onde ela nasceu. Sua mais completa biografia, “Nísia Floresta – Vida e Obra”, foi escrita por Constância Lima Duarte, em 1995.

REFERÊNCIAS:

Projeto Memória – Nísia Floresta. Uma Mulher à Frente de Seu Tempo. Disponível em: http://www.projetomemoria.art.br/NisiaFloresta/index.html. Acesso em: abril de 2016.

Nísia Floresta: vida e obra. Disponível em: http://www.memoriaviva.com.br/nisiafloresta/. Acesso em : maio de 2016.

 

Nísia Floresta – aspectos relevantes de sua história

Texto de Bruna R. Mello, Cassiano C. Costa e Thamires V. A. Vieira

Dionísia Gonçalves Pinto, conhecida pelo pseudônimo Nísia Floresta Brasileira Augusta, foi uma escritora, educadora e poetisa nascida na cidade de Papari, no Rio Grande do Norte, no ano de 1810, cidade que hoje leva o nome de Nísia Floresta em homenagem à pensadora. Filha de Dionísio Gonçalves Pinto Lisboa, português liberal e de personalidade progressista, e da brasileira dona Antônia Clara Freire, tida como uma mulher inteligente e carinhosa, porém enérgica quando necessário, Nísia passou sua infância no Sítio Floresta, em sua cidade natal, mudando-se, após, para o interior de Pernambuco, para a cidade de Goiânia, tendo em vista que no Rio Grande do Norte, a partir de 1817, irromperam as primeiras rebeliões contra a coroa Portuguesa, fazendo com que o pai de Nísia fosse fortemente hostilizado pelos habitantes da cidade, pois ostentava a condição de natureza portuguesa.

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Nísia Floresta Imagem: Biblioteca Nacional

Cada palavra em seu pseudônimo carrega um significado, sendo Nísia o final do seu nome de batismo Dionísia. Floresta seria uma homenagem feita ao sítio onde nasceu, Brasileira uma necessidade de afirmar o seu nacionalismo, mesmo tendo vivido quase três décadas na Europa. Augusta é uma homenagem ao seu segundo companheiro, Manuel Augusto de Faria Rocha, pai de seus filhos, com quem se casou em 1828.

É considerada uma pioneira do feminismo no Brasil e foi provavelmente a primeira mulher a romper os limites entre os espaços públicos e privados publicando textos em jornais, na época em que a imprensa nacional ainda engatinhava. No período em que esteve no interior pernambucano, Nísia publicou seus primeiros textos, voltado para o público feminino, no jornal Espelho das Brasileiras. Nesses periódicos ela evidenciava sua preocupação com a educação das mulheres no século XIX, traçando comparativos com a antiguidade. Criticava o fato de que os meninos recebiam uma carga de conhecimento, em diversas áreas do ensino, muito maiores do que as meninas a quem era ministrado, apenas, as operações básicas da matemática, línguas e bordado. Nísia também dirigiu um colégio para moças no Rio de Janeiro e escreveu livros em defesa dos direitos das mulheres, dos índios e dos escravos.

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Capa do livro “Direitos das mulheres e injustiça dos homens

Seu primeiro livro “Direitos das mulheres e injustiça dos homens”, e primeiro no Brasil a tratar dos direitos das mulheres à instrução e ao trabalho, foi inspirado no livro “Vindications of the Rights of Woman”, do século XVIII, da escritora inglesa e defensora dos direitos das mulheres Mary Wollstonecraft. Neste livro, Nísia utiliza o texto da autora inglesa e inclui suas próprias considerações sobre a sociedade brasileira, demonstrado no trecho  abaixo:

“Por que [os homens] se interessam em nos separar das ciências a que temos tanto direito como eles, senão pelo temor de que partilhemos com eles, ou mesmo os excedamos na administração dos cargos públicos, que quase sempre tão vergonhosamente desempenham?” Nísia Floresta

Por meio do breve histórico acima, é possível conhecer um pouco da história dessa pensadora social brasileira que lançou base, em sua época, para pensamentos de vanguarda em diversas questões, focando-se nas minorias. Deu inspiração ao movimento feminista, tratando-se da primeira voz feminista de expressão do país. Questionou a escravidão e propôs o sistema republicano de governo na sua instituição de ensino. Conhecida por manter posições divergentes dos conservadores da época. Enfim, deixou um legado histórico vasto e obras de reconhecimento internacional.

REFERÊNCIAS:

FLORESTA, Nísia. Direitos das mulheres e injustiça dos homens. São Paulo: Editora Cortez, 1989.

Nísia Floresta, a primeira feminista brasileira. Texto de Rafaella Brito. Disponível em: http://blogueirasfeministas.com/2014/08/nisia-floresta-a-primeira-feminista-brasileira/. Acesso em: abril de 2016.

Projeto Memória – Nísia Floresta. Uma Mulher à Frente de Seu Tempo. Disponível em: http://www.projetomemoria.art.br/NisiaFloresta/index.html. Acesso em: abril de 2016.

Nísia Floresta – Obras

Texto de Bruna R. Mello, Thamires V. A. Vieira e Rafael Velho

As obras escritas por Nísia Floresta renderam a ela prestígio tanto no Brasil quanto na Europa, sendo reconhecida como uma das grandes escritoras brasileiras do século XIX. Ela escreveu 15 livros, os quais continham artigos, poemas, romances, narrativas de viagem e novelas didático-moralistas. “Direitos das mulheres e injustiça dos homens” foi o título dado por Nísia ao seu primeiro livro publicado em 1832, que, segundo afirmava a escritora, era uma tradução livre do livro “Vindication of the rights of women” de Mary Wollstonecraft. Este livro provocou a reflexão sobre a concepção da figura social das mulheres, defendendo a participação feminina em postos de comando em um período onde a valorização da capacidade intelectual feminina praticamente inexistia. Ao longo do texto, Nísia denuncia o absurdo que era considerar o estudo das ciências inútil às mulheres:

“(…) não pode ser, portanto, senão uma inveja baixa e indigna, que os induz a privar-nos das vantagens a que temos de um direito tão natural, como eles.” (FLORESTA, 1989a, p.49)

Em sua obra, ela critica filósofos e teólogos, que tendo a oportunidade de refletir e expor posicionamentos, demoravam uma vida toda para desenvolver um raciocínio que, muitas vezes, só existiam em seus próprios cérebros. Cita exemplos de figuras femininas históricas que tiveram atitudes dignas em defesa das mulheres. Ela defende a participação efetiva das mulheres em cargos públicos e postos de comando. Porém, Nísia modifica um pouco seu discurso no livro “Opúsculo Humanitário”, publicado em 1853. Nesta obra, ela defende que a educação feminina deveria ser fator de elevação moral, importante para a instrução das mães de família e da sociedade.

Durante o ano de 1847, Nísia já dona do Colégio Augusto e professora, publicou três obras de caráter pedagógico dedicados à temática feminina: “Fany ou o Modelo das Donzelas” e “Daciz ou a Jovem Completa” sendo novelas didático-moralistas, e “Discurso que às suas educandas dirigiu Nísia Floresta Brasileira Augusta” um pronunciamento que Nísia realizou para o encerramento do ano letivo. Mas é no livro “Opúsculo Humanitário” que se pode encontrar o pensamento de Nísia sobre a educação feminina, e sobre o ensino de maneira geral. Ela utilizou dados oficiais publicados para criticar o sistema de ensino, apontando a falta de um direcionamento educacional e a baixa quantidade de escolas para meninas:

“Acrescentemos agora ao medíocre número dessas escolas a confusão dos métodos, das doutrinas seguidas pelas professoras, quase sempre discordes em seus sistemas e, como já observamos, em grande parte sem as necessárias habilitações, e teremos, reduzido à expressão mais simples, o número da nossa população feminina que participa do ensino público e o grau de instrução que recebe.” (FLORESTA, 1989b, p.83)

Nísia Floresta tratou não só do fracasso do sistema geral de ensino, como também denunciava o despreparo de estrangeiros que comandavam escolas da Corte e a educação para meninas que as preparavam somente para atuarem nos salões, com aulas de canto, dança, música, estudo do francês e da literatura. Criticou a importância dada pelos pais a essa educação que priorizava a futilidade, uma boa educação de aparências, com sucessos passageiros. Em sua proposta curricular do Colégio Augusto, Nísia ensinava latim, matéria considerada inadequada para a educação feminina da época. Tratou de assuntos polêmicos, como a escravidão, e outros temas que saíram na imprensa carioca e que foram compilados no livro “Opúsculo Humanitário”.

             Algumas outras obras:

  • “Conselhos à minha filha” de 1842: esta obra foi escrita para sua filha Lívia Augusta no seu aniversário de 12 anos, e sua versão em italiano se tornou leitura recomendada em varias escolas na Itália.

“Minha querida filha, há no mundo duas sortes de admiradores de nosso sexo, uma assaz comum, outra extremamente rara. A primeira é daqueles homens que, olhando-nos com desprezo, não vêem em nós, assim como nessas lindas flores que se colhem para servir-nos de um ornato passageiro, mais do que um objeto digno somente de lisonjear seus sentidos. A seus olhos, uma mulher amável é sempre aquela que reúne mais graças exteriores e, ousados pela fraqueza com que os prejuízos de nossa educação nos apresentam aos olhos do mundo, eles têm estudado e põem em prática uma linguagem toda engenhosa para atrair nossa atenção e triunfar dessa fraqueza a despeito de nossa virtude mesma.” (F. Augusta Brasileira)

  • A Lágrima de um Caeté” de 1849: Poema de 712 versos escritos logo após a Revolta Praieira, ocorrida em Pernambuco. A autora lança uma espécie de paralelo entre a opressão do Império aos nacionalistas e o sofrimento vivido pelo índio após a colonização portuguesa. O índio é retratado com um guerreiro, porém como um parceiro de Portugal.
  • Páginas de uma vida obscura”, “Um passeio ao Aqueduto da Carioca” e “Pranto Filial”: são três artigos que foram escritos para o jornal “O Brasil Ilustrado” e publicados em livro em 1854. O primeiro artigo trata sobre a escravidão, o segundo, sobre as belezas do Rio de Janeiro e, por fim, o terceiro, sobre a morte de sua mãe. Abaixo, um trecho de “Páginas de uma Vida obscura”:

 “A escravidão, esse monstruoso parto do despotismo, esse infame libelo dos povos cristãos, foi sancionada pelos mesmos homens, que tudo haviam sabido sacrificar para libertar-se do jugo de seus opressores, e assumirem a categoria de nação livre! Eles, que acabavam de conquistar a liberdade, não coravam de rodear-se de escravos! Anomalia de um grande povo apresentada em caracteres de lágrimas e de sangue à face da civilização moderna para rebaixá-lo aos olhos da filosofia e da humanidade.” (Nísia Floresta)

  • Le Brésil (O Brasil)” de 1871: é um texto sobre sua paixão e qualidades de sua pátria.

“Todos os povos civilizados da terra precisam conhecer este amplo e rico país da América meridional, que se estende desde o majestoso Amazonas, o maior rio do mundo, até o Prata. Aí se encontram, além de uma infinidade de outros rios navegáveis, grandiosas florestas, reclinadas, a maior parte, por todo o seu perímetro em forma de admiráveis curvas; excelsos montes, cujos cumes parecem tocar o céu; pradarias risonhas de uma eterna vegetação: cheios uns e outras de quanto têm de flores e frutos o antigo e o novo mundo. A essas magnificências da natureza juntam-se os prazeres de uma civilização progressiva, espalhada em muitas de suas partes.” (Nísia Floresta)

Abaixo segue o link do vídeo onde Stella Maris Scatena Franco, professora do Departamento de História da FFLCH/USP, fala sobre seu livro “Peregrinas de outrora: viajantes latino-americanas no século XIX”. No seu doutorado, Stella Maris estudou os relatos de viagens de mulheres que visitaram os Estados Unidos e a Europa, e entre elas, a brasileira Nísia Floresta, e nesta conversa ela relata um pouco as experiências que Nísia teve durante suas viagens pela Europa .

Vídeo: História: 3 escritoras latino-americanas no séc. XIX – Stella Maris Scatena Franco.  

REFERÊNCIAS:

CAMPOI, Isabela Candeloro. O livro “Direitos das mulheres e injustiça dos homens” de Nísia Floresta: literatura, mulheres e o Brasil do século XIXHistória,  Franca ,  v. 30, n. 2, p. 196-213,  Dec.  2011 .   Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-90742011000200010&lng=en&nrm=iso. Acesso em:  maio de 2016.

FLORESTA, N. Direitos das mulheres e injustiça dos homens. São Paulo: Editora Cortez, 1989a.

______. Opúsculo Humanitário. São Paulo: Editora Cortez, 1989b.

Projeto Memória – Nísia Floresta. Uma Mulher à Frente de Seu Tempo. Disponível em: http://www.projetomemoria.art.br/NisiaFloresta/index.html. Acesso em: maio de 2016.