Maria Firmina dos Reis: Legado e Contribuições

Maria Firmina dos Reis dedicou-se arduamente ao ensino e à escrita. A maranhense quebrou paradigmas, tanto ao fugir do esperado para uma mulher daquela época, quanto por tratar de assuntos que não estavam de acordo com o aceito para a sociedade em geral. Suas publicações muitas vezes trazem situações que defendem a redução de diferenças e amplia a liberdade e justiça, algo pouco visto na literatura brasileira do século XIX.

No prólogo de Úrsula, a autora afirma que “pouco vale este romance, porque escrito por uma mulher, e mulher brasileira, de educação acanhada e sem o trato e conversação dos homens ilustrados.” De fato, além de ser mulher, existiam outros empecilhos, como ser negra, nordestina, pobre e bastarda. Mesmo com todos esses fatores, ela adentra um cenário até então dominado por homens – geralmente brancos, ricos e com acesso a educação europeia – e se mostra combativa ao mostrar uma visão social muito além da sua época. Analisando o contexto em que a mesma estava inserida e as suas contribuições, vemos a sua realidade refletir-se na sua própria citação em Úrsula: “A mente, essa ninguém pode escravizar!”. Conforme defendido pela Profª. Algemira de Macedo Mendes:

“Hoje, discute-se cotas para negros, Maria Firmina já escrevia em meados de 1800. O que Castro Alves escreveu em ‘Vozes da África’, defendendo os escravos, Maria Firmina fez primeiro, no entanto, ele é que é considerado o poeta dos escravos. Por isso, ela não é apenas uma escritora brasileira, mas universal, por estar à frente de seu tempo”.

A autora também se mostrou muito preocupada com a educação. Estudos mostram que, apesar de nunca ter frequentado uma escola, a escritora lia bastante e escrevia francês fluentemente. Além de ter sido professora, após aposentada na década de 1880, ainda fundaria a primeira escola mista e gratuita do Estado. Contudo, a mesma terminou sendo fechada por causa da indignação da população da cidade pela mistura de meninas e meninos no ambiente escolar.

Maria Firmmaria fina dos Reis ainda é pouco presente na historia da literatura brasileira. Em um contexto em que poucas mulheres eram alfabetizadas, a autora é uma exceção do cenário literário. Após o seu falecimento acabou por ser esquecida, tendo aos poucos o devido reconhecimento – especialmente em São Luís – sendo seu nome dado a uma rua e a um colégio, e ter um selo comemorativo lançado pelos correios. Além disso, um busto de bronze foi erguido em frente à Biblioteca Pública Benedito Leite, junto aos bustos de intelectuais maranhenses, como Gonçalves Dias, Josué Montello, Graça Aranha, Aluízio Azevedo, entre outros. Também o dia 11 de outubro, dia do nascimento de Maria Firmina, passou a ser o Dia da Mulher Maranhense, em homenagem à escritora.

Maria Firmina dos Reis: Vida e Obra

Maria Firmina dos Reis 2-maria-firmina-dos-reisnasceu em 11 de outubro de 1825 em São Luís, no Maranhão. Aos cinco anos mudou-se para Vila de São José de Guimarães, município de Viamão, cidade onde viveu até a sua morte. Praticamente esquecida até 1973 foi “resgatada” por José Nascimento Morais Filho, que ao procurar textos de autores maranhenses em jornais antigos, surpreendeu-se ao encontrar uma mulher escrevendo em periódicos daquela época e, mesmo tendo desafiado os padrões femininos e sido uma figura abolicionista, encontrava-se esquecida no então atual cenário intelectual.

Maria Firmina era pobre, bastarda e negra. Mesmo assim, ela conseguiu quebrar inúmeros paradigmas e ser uma personalidade notável para a sua época. Em 1847, aos 22 anos, passou em um concurso para a cadeira de Instrução primária. Além de professora, foi escritora, tendo contribuído para jornais, escrito poesias, ficção e crônicas. Em 1859, publica a sua principal obra, o romance intitulado Úrsula, sendo o seu nome omitido devido ao papel da mulher na época, usando então o pseudônimo “Uma Maranhense”. O livro foi um dos primeiros publicados por uma negra brasileira, além de também ser um dos primeiros romances abolicionistas da nossa literatura. Mostrando a sua vontade de mudar o cenário em que vivia, a autora – então aposentada – funda a primeira escola mista gratuita do Maranhão, causando um escândalo no povoado, o que acaba por resultar no seu fechamento.

Em 1917, a escritora e professora morre aos 92 anos.

Abaixo, a sua bibliografia:

Úrsula. (Romance). San’Luis: Typographia do Progresso, 1859; 2ª ed., Impressão fac-similar. [prólogo de Horácio de Almeida]. Rio de Janeiro: Gráfica Olímpica Editora LTDA, 1975, 198p.
Gupeva. (Romance). 1861/1862.publicado em O jardim dos maranhenses e, em 1863, no jornal Porto Livre e no jornal Eco da Juventude, e transcrito em José Nascimento Morais
Poemas. em “antologia poética” Parnaso Maranhense, 1861.
Cantos à beira-mar (poesia).. San’Luis: Typografia do País, 1871; 2ª edição por José Nascimento Morais Filho, Rio de Janeiro, Granada, 1976.
A escrava. (conto). : 1887: Revista Maranhense, nº 3. Republicada em José Nascimento
Hino da libertação dos escravos, 1888.

Publicou poemas nos jornais literários:

I. A Imprensa; II. Publicador Maranhense; III. A Verdadeira Marmota; IV. Almanaque de Lembranças Brasileiras; V. Eco da Juventude; VI. Semanário Maranhense; VII. O Jardim dos Maranhenses; VIII. Porto Livre; IX. O Domingo; X. O País; XI. A Revista Maranhense; XII. Diário do Maranhão; XIII. Pacotilha; XIV. Federalista.

Composições musicais:

– Auto de bumba-meu-boi (letra e música);
– Valsa (letra de Gonçalves Dias e música de Maria Firmina dos Reis);
– Hino à mocidade (letra e música);
– Hino à liberdade dos escravos (letra e música);
– Rosinha, valsa (letra e música);
– Pastor estrela do oriente (letra e música);
– Canto de recordação (“à Praia de Cumã”; letra e música).

REFERÊNCIAS:

FENSKE, Elfi Kürten (pesquisa, seleção e organização). Maria Firmina dos Reis – fragmentos de uma vida. Templo Cultural Delfos, junho/2015. Disponível em <http://www.elfikurten.com.br/2015/06/maria-firmina-dos-reis.html&gt; . Acesso em 24 de abril de 2016.

CORREIA, J. (2013). Maria Firmina dos Reis, Vida e Obra: Uma Contribuição para a escrita da História das Mulheres e Afrodescendentes no Brasil. Revista Feminismos,  Vol.1, N.3 Set, 2013.

 

Úrsula: a obra antiescravagista de Maria Firmina dos Reis

Maria Firminursulaa dos Reis publicou em 1859 o livro Úrsulaconsiderado por muitos o primeiro romance abolicionista brasileiro e um dos primeiros de autoria feminina no Brasil. Divergindo das obras da época, as quais em grande parte apresentam um forte nacionalismo, o foco narrativo está comprometido com o ser mulher e o ser negro, até então excluídos da comunidade nacional.

O negro não aparece apenas como parte da narrativa, mas como agente, pois sua história é contada a partir de um ponto de vista interno. A visão positiva do negro, sem preconceitos raciais e estereótipos comuns na literatura da época – mesmo em obras ditas abolicionistas – constrói uma imagem diferente da desenvolvida até então, sendo que em Úrsula a figura do mesmo é considerada um parâmetro de “elevação moral”. A figura da mulher também é explorada na obra de forma política, pois apresenta uma visão crítica do tratamento recebido por elas e do lugar ocupado pelas mesmas na sociedade.

A autora traz uma concepção bastante humana da literatura ao se preocupar não somente com o estético, mas também com o conteúdo da obra, pois ao debater questões sociopolíticas da época mostra uma preocupação em provocar reflexões em relação à mulher e ao negro. Ao provocar a mudança dos mesmos de figurantes para agentes e nos permitindo enxergar o seu mundo a partir da sua perspectiva e vivência, é feita uma tentativa de fazer o leitor se identificar com a obra, além de tentar instigar um questionamento sobre seu posicionamento diante da vida. De acordo com Oliveira, podemos analisar a escrita da autora como um modo de enxergar a literatura, onde seu objetivo é “instruir deleitando”.

Ao publicar Úrsula, a autora utiliza o pseudônimo “Uma Maranhense” – algo bastante utilizado por mulheres da sua época – por razões que iam desde o lugar ocupado pelas mesmas e o preconceito gerado para as que iam contra esse sistema, até por assim terem a possibilidade de serem mais livres para expressar suas ideias, sem passarem por um julgamento da sociedade. Para Maria Firmina dos Reis, os seus posicionamentos iam de encontro ao aceitado pela sociedade tanto acerca da condição feminina, quanto da condição do negro, o que a colocaria sob uma repressão social muito maior. Dessa forma, Firmina traz um livro precursor no cenário em que estava inserida e possibilitou aos oprimidos contarem suas histórias através de suas perspectivas, em uma tentativa corajosa de denunciar as injustiças sociais de seu tempo.

 

Referências:

CORREIA, J. (2013). Maria Firmina dos Reis, Vida e Obra: Uma Contribuição para a escrita da História das Mulheres e Afrodescendentes no Brasil. Revista Feminismos,  Vol.1, N.3 Set, 2013.

OLIVEIRA, B. A. Gênero e etnicidade no romance Úrsula, de Maria Firmina dos Reis. 2007. 107 f. Dissertação (Mestrado em Estudos Literários) – Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte. 2007.

 

Maria Firmina dos Reis – Outras Obras


Além de dedicar-se ao ensino como professora, Maria Firmina participou constantemente na imprensa local, publicando diversas poesias, crônicas e contos. A sua primeira publicação foi em 1859, com o lançamento do livro Úrsula, discutido anteriormente. Em 1861 ela escreve Gupeva, romance com temática indianista; e após publica alguns poemas – destacando-se Cantos à beira mar (1871) – composto por cinquenta e seis poemas publicados em forma de folhetins nos jornais maranhenses, ainda ligados à estética ultrarromântica. Contudo, ainda é uma escrita por vezes política ao alinhar-se à luta pela liberdade dos negros escravizados no Brasil, como aparece na quinta estrofe do poema Minha terra:

Exalta teus filhos fervente entusiasmo
E quebram num dia sangrento grilhão!
Contempla a Europa tal feito – com pasmo…
E bradas: sou livre! com grata efusão.

Em 1877, no auge da campanha abolicionista, é publicado o conto A Escrava.  Afirmando a sua posição antiescravagista e contra o papel exercido pela mulher na sociedade daquela época, postura anteriormente vista em Úrsula, Maria Firmina denuncia as injustiças e crueldades presentes na escravidão e no tratamento ao negro. O conto discute a relação entre senhores e escravos, trazendo uma voz abolicionista no Maranhão do século XIX, ao narrar a história de uma senhora sobre um episódio em que tentou salvar uma escrava fugida e seu filho.

Em 1889, compôs o Hino da libertação dos escravos (letra e música):

Salve Pátria do Progresso!
Salve! Salve Deus a Igualdade!
Salve! Salve o Sol que raiou hoje,
Difundindo a Liberdade!
Quebrou-se enfim a cadeia
Da nefanda Escravidão!
Aqueles que antes oprimias,
Hoje terás como irmão! (2)

Abaixo, link para conhecer algumas das poesias escritas pela maranhense:

http://www.jornaldepoesia.jor.br/mfirmina.html

 

Referências:

CORREIA, J. (2013). Maria Firmina dos Reis, Vida e Obra: Uma Contribuição para a escrita da História das Mulheres e Afrodescendentes no Brasil. Revista Feminismos,  Vol.1, N.3 Set, 2013.

NASCIMENTO, J. (2007). O Livro de Poesia de Maria Firmina dos Reis. Boletim Informativo do Núcleo Interdisciplinar de Estudos da Mulher na Literatura – NIELM, Ano V, N. 5, Out 2007.