Mulher Negra

Como uma mulher negra Beatriz Nascimento passou por muitas experiências na própria carne e na própria vida. Ela escreveu alguns artigos que tratam o tema da mulher negra especificamente, como “A mulher negra no mercado de trabalho” e “A mulher negra e o amor”. Beatriz Nascimento é uma defensora convicta do “feminismo negro”.

Para entender a função da mulher negra, Beatriz Nascimento explica a estrutura da sociedade brasileira no passado. Ela compara a hierarquia existente com um sistema de castas. O “Senhor de terras” com poder econômico e político fica numa extremidade e os escravos na outra extremidade. Como consequência desta sociedade paternalista e patriarcal a mulher negra tem uma posição fraca na hierarquia. Ela suporta a dominação do mais forte por duas razões: por um lado por ser negra e por outro lado por ser uma mulher.

Beatriz Nascimento determina que como resultado da herança escravocrata a mulher negra tem o imagem de uma trabalhadora. Os trabalhos típicos que são relacionados com a posição da mulher negra são atividades domésticas ou trabalhos no campo; os privilégios ainda são reservados para o grupo dominante da sociedade.

Segundo a investigação, a mulher branca consegue reduzir as desigualdades entre mulheres e homens.  Isso não aconteceu para o caso da mulher negra. Durante a industrialização a mulher branca podia trabalhar no campo da economia, o que não era possível para a mulher negra por dois motivos: em primeiro lugar, a mulher negra não tem acesso equitativo à educação para estes trabalhos e em segundo lugar, estes trabalhos significam uma ligação com o público.

Concluindo, Beatriz Nascimento concentre-se em diferenças da classe social, a questão racial que implica a dominação branca e a dominação do homem.

Fonte: RATTS, Alex. Eu Sou Atlântica. São Paulo: Imprensa Oficial, 2006.

ORÍ

“Orí significa a iniciação, um novo estágio da vida, a uma vida nova, um novo encontro. Se estabelece enquanto rito.”

O trecho acima foi retirado do documentário Orí, no qual Beatriz nascimento narra e retrata a forma de abordar a comunidade negra em sua relação com o tempo, o espaço e a ancestralidade, emblematicamente representada pelo quilombo. Orí é a representação do negro no país, é a trajetória que inicia com o reencontro do oriente com o ocidente e todas as vastas consequências desta luta iniciada com a escravidão e manifestada até o presente através do esforço pela libertação das raças.

A condição de escravidão e a maneira de reconhecimento expressam a troca, a experiência do sofrer, da perda da imagem e da identidade dos negros. Beatriz Nascimento denuncia que a cultura negra é marginalizada na sociedade brasileira e em seus relatos pessoais demonstrou o choque que enfrentou ao entrar na universidade e se deparar com o eterno estudo do negro como escravo e nada mais. O grande drama entorno das diferenças sociais não se restringe à questão econômica, o grande drama evidencia o não reconhecimento do negro no Brasil. O não reconhecimento da sua cultura, história, origem e identidade.

Orí retoma o quilombo como manifestação da busca, da consciência de um homem: Zumbi dos Palmares. O quilombo manifestou a busca pela terra e não pode ser resumido apenas a condição de fuga. Na narrativa, Beatriz Nascimento retoma o Brasil como colônia abandonada que passa a ser pai de sí mesmo através do quilombo. Quilombo este que pode ser comparado a manifestação de uma das maiores festas populares do país e do mundo. As escolas de samba são vistas como quilombo da atualidade, resgatando as características e origens do povo africado através de diversas formas, danças e ritos. Nesta perspectiva, a dança se revela como se o corpo fosse um documento, a história, a memória e o desejo de um povo.

A investigação do quilombo parte da questão do poder. Mas não um estado de poder no sentido que entendemos como político ou de dominação, e sim na perspectiva do poder para cada indivíduo e neste sentido cada indivíduo é o quilombo. Orí, portanto, é o processo de trazer as origens, os povos da África através da recriação primária dos povos, através da necessidade de saudar e reproduzir a cultura africana.

EU SOU ATLÂNTICA

O livro Eu sou atlântica, do antropólogo Alex Ratts, publicado em 2007 apresenta a trajetória de vida de Beatriz Nascimento. A obra foi produzida em parceria do Instituto Kuanza e Imprensa Oficial do Estado de São Paulo.

O autor propõe tirar do esquecimento em que se encontra a trajetória de vida e a contribuição intelectual de Beatriz Nascimento. Não é uma biografia tradicional, mas sim um diálogo solidário e comovido com Beatriz Nascimento, procurando recolocar sua voz nos circuitos acadêmicos e militantes, como apresenta Hubert Alquéres.

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O livro é dividido em duas partes. Na primeira apresenta-se o autor expõe sua relação com Beatriz, os projetos que realizaram juntos, conta a biografia e analisa alguns escrito de Beatriz.

Na segunda parte são apresentados na íntegra alguns dos principais textos escritos por Beatriz Nascimento, como Por uma história do homem negro, Negro e racismo, Nossa democracia racial.

Quanto ao título, refere-se a uma das expressões chaves utilizadas por Beatriz, “transatlanticidade” – decorrente da diáspora africana que recria a cultura negra na relação intercontinental .

A imprensa oficial disponibilizou o livro completo para download. Abaixo segue o link:

http://livraria.imprensaoficial.com.br/eu-sou-atlantica-imprensa-social.html

Maria Beatriz Nascimento – Biografia

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Maria Beatriz Nascimento nasceu em Aracaju, em 12 de julho de 1942, filha do pedreiro Francisco Xavier do Nascimento e da dona de casa Rubina Pereira do Nascimento, teve dez irmãos. Em 1950, aos oito anos, mudou-se com a família para o Rio de Janeiro.

Após uma trajetória com muitas dificuldades, aos vinte e oito anos, iniciou o curso de graduação em História pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), onde se formou em 1971. Durante o período de graduação foi estagiária do Arquivo Nacional com o historiador José Honório Rodrigues.

Intelectual, pesquisadora e ativista trabalhou como professora de História na rede estadual de ensino do Rio de Janeiro, associando ensino e pesquisa. Através de temáticas e objetos ligados à história e a cultura negra, passou a exercer sua militância intelectual.

Na Universidade Federal Fluminense (UFF), em 1974, esteve à frente da criação do Grupo de Trabalho André Rebouças, abordando com universitários negros do Rio e de São Paulo a discussão da temática racial na academia e na educação em geral. Em 1977, participou como conferencista na Quinzena do Negro, realizada na USP, evento que se configurou como importante encontro de pesquisadores negros.

Em 1981, com a pesquisa “Sistemas alternativos organizados pelos negros: dos quilombos às favelas”, concluiu a Pós-graduação lato sensu em História, na Universidade Federal Fluminense (UFF), mas seu trabalho mais conhecido e de maior circulação foi o filme Ori (1989, 131 min.), de sua autoria, dirigido pela socióloga e cineasta Raquel Gerber. O filme, narrado pela própria Beatriz, apresenta sua trajetória pessoal como forma de abordar a comunidade negra em sua relação com o tempo, o espaço e a ancestralidade, emblematicamente representados na ideia de quilombo.

Ao longo de vinte anos, estudou as temáticas relacionadas ao racismo e aos quilombos, abordando a correlação entre corporeidade negra e espaço com as experiências de dispersão dos africanos e descendentes em terras brasileiras, por meio das noções de “transmigração”. Além de diversos artigos e entrevistas a jornais e revistas de grande circulação nacional, como o suplemento Folhetim da Folha de São Paulo, Isto é, jornal Maioria Falante, Última Hora e a revista Manchete, seus artigos também foram publicados em periódicos como Revista de Cultura Vozes, Estudos Afro-Asiáticos e Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Além da militância intelectual, Beatriz era poetisa. Sua poesia traz à tona a experiência de ser mulher negra, e essa sensibilidade se traduziu em toda sua escrita.

Maria Beatriz faz parte de um grupo de mulheres que, historicamente, combateram de frente o sexismo, o machismo e as violências domésticas. Em 28 de janeiro de 1995, foi assassinada após abrigar em sua casa, uma amiga, vítima desse tipo de violência, encerrando assim uma trajetória acadêmica de luta e ativismo pelo movimento negro.

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