Teatro Experimental do Negro (TEN)

Abdias, assistindo uma peça cujo drama essencial do protagonista era a realidade de um negro vivendo em uma sociedade racista, depara-se com um ator branco pintado de preto. “Devemos ter em mente que até o aparecimento de Os Comediantes e de Nelson Rodrigues – que procederam à nacionalização do teatro brasileiro em termos de texto, dicção, encenação e impostação do espetáculo – nossa cena vivia da reprodução de um teatro de marca portuguesa que em nada refletia uma estética emergente de nosso povo e de nossos valores de representação. Esta verificação reforçava a rejeição do negro como personagem e intérprete, e de sua vida própria, com peripécias específicas no campo sociocultural e religioso, como temática da nossa literatura dramática.” (Abdias do Nascimento Teatro experimental do negro – tragetórias e percepções). A peça em questão fora assistida fora do Brasil mas trouxe à Abdias uma resolução: ao retornar para o Brasil ele criaria um organismo teatral voltado para o protagonismo do negro, dando um passo importante para que a proporção populacional e a dita boa convivência característica do Brasil no que concerne às diferenças (raciais, religiosas…) fosse representada culturalmente. Abdias já havia desenvolvido o Teatro do Sentenciado (que trabalhava dramaturgia com presidiários) e a primeira turma do TEN chegou a reunir 600 alunos, grande parte sem escolaridade. Portanto o primeiro papel do Teatro era o de alfabetização, que já chegava com boas doses de inclusão social e cultural oriundas de sua proposta inicial e teve grande atuação social, não só por suas características inclusivas mas também na luta em defesa da mulher negra.

“Cerca de seiscentas pessoas, entre homens e mulheres, se inscreveram no curso de alfabetização do TEN, a cargo do escritor Ironides Rodrigues, estudante de direito dotado de um conhecimento cultural extraordinário. Outro curso básico, de iniciação à cultura geral, era lecionado por Aguinaldo Camargo, personalidade e intelecto ímpar no meio cultural da comunidade negra. Enquanto as primeiras noções de teatro e interpretação ficavam a meu cargo, o TEN abriu o debate dos temas que interessavam ao grupo, convidando vários palestrantes, entre os quais a professora Maria Yeda Leite, o professor Rex Crawford, adido cultural da Embaixada dos Estados Unidos, o poeta José Francisco Coelho, o escritor Raimundo Souza Dantas, o professor José Carlos Lisboa.”(Abdias do Nascimento Teatro experimental do negro – tragetórias e percepções) Após um tempo de trabalho estavam finalmente prontos para apresentar a primeira peça, mas qual seria? Era um evento importante e merecia ser tratado com cuidado. Entre as poucas opções acabaram optando pela peça “O Imperador Jones”, a mesma peça que havia trazido aos olhos de Abdias a necessidade do TEN ao ver um branco pintado de preto interpretando seu protagonista. Apresentaram-se apenas uma noite, apesar do sucesso de crítica.

 “O grupo teatral de Abdias do Nascimento afirmava negros e negras dentro de uma sociedade cujo racismo historicamente enraizado era disfarçado pela bandeira da “democracia racial”. Fortemente ativo, Abdias do Nascimento defendia a valorização da cultura negra como meio de combate à discriminação racial. O TEN fazia o negro enxergar a exploração pela qual passava e lhe dava autoconfiança para conquistar seu espaço social. O propósito era criar uma dramaturgia de autoria negra, que focasse em temas da cultura afro-brasileira e discutisse questões que, até então, ninguém dava a devida atenção.” (Mariana Moreira – O Teatro Experimental do Negro de Abdias do Nascimento).

No ano seguinte à sua estréia do TEN foi possível apresentar uma peça genuinamente brasileira e feita especialmente pra esse grupo, “O filho pródigo” de Lúcio Cardoso, inspirado em uma parábola bíblica. Em seguida montou “Aruanda” ou texto desenvolvido especialmente para o TEN, peça com muita música dança e canto que resultou em um belíssimo espetáculo. “Quando terminamos a temporada de Aruanda, as dezenas de tamboristas, cantores e dançarinos organizaram outro grupo para atuar especificamente nesse campo. Depois de usar vários nomes, esse conjunto se tornaria famoso e conhecido como Brasiliana, havendo percorrido quase toda a Europa durante cerca de dez anos consecutivos”, relata Abdias.

“O antropólogo Julio Cesar Tavares classifica o TEN como “teatro de intervenção”: “[…] seu signo mais relevante foi de ordem pedagógico-política. Sua função se afirmou, num país de analfabetos, como a de um veículo conscientizador e gerador de novas saídas para o negro, dentro da clausura gerada por um processo de permanente exclusão”.O TEN contribui para a formação de uma importante geração de atores negros para teatro, cinema e televisão, da qual fazem parte Ruth de Souza (1930), Haroldo Costa, Léa Garcia (1933) e José Maria Monteiro (1923-2010)” (enciclopédia itau cultural). O TEN foi criado com intiuto de trazer maior representatividade cultural para o negro, mas com isso, e com toda militância de Abdias, tornou-se muito mais, abragendo toda luta contra o racismo, trazendo à tona as realidades brasileiras escondidas, que sempre vendeu-se como um país da missigenação, mas segrega, segrega o negro, o pobre, a mulher, o diferente do padrão, segrega fingindo não segregar, se escondendo atrás de pretextos vãos e da manutenção do status quo, “(…)o TEN propunha-se a combater o racismo, que em nenhum outro aspecto da vida brasileira revela tão ostensivamente sua impostura como no teatro, na televisão e no sistema educativo, verdadeiros bastiões da discriminação racial à moda brasileira. No exterior, a elite brasileira propagandeia uma imagem tão distorcida da nossa realidade étnica que podemos classificá-la como uma radical deformação. Essa elite se auto-identifica exclusivamente como branco-européia. Em contrapartida, escamoteia o trabalho e a contribuição intelectual e cultural do negro ou invoca nossas “origens africanas” apenas na medida de interesses imediatos, sem entretanto modificar sua face primeiramente européia na representação do país no mundo todo. Da mesma forma, a cultura “brasileira” articulada pela mesma elite eurocentrista invoca da boca para fora a “contribuição cultural africana”, enquanto mantém inabalável a premência de sua identificação e aspiração aos valores culturais europeus e/ou norte-americanos.” (Abdias).

Teatro Experimental do Negro (TEN)

Abdias, assistindo uma peça cujo drama essencial do protagonista era a realidade de um negro vivendo em uma sociedade racista, depara-se com um ator branco pintado de preto. “Devemos ter em mente que até o aparecimento de Os Comediantes e de Nelson Rodrigues – que procederam à nacionalização do teatro brasileiro em termos de texto, dicção, encenação e impostação do espetáculo – nossa cena vivia da reprodução de um teatro de marca portuguesa que em nada refletia uma estética emergente de nosso povo e de nossos valores de representação. Esta verificação reforçava a rejeição do negro como personagem e intérprete, e de sua vida própria, com peripécias específicas no campo sociocultural e religioso, como temática da nossa literatura dramática.” (Abdias do Nascimento Teatro experimental do negro – tragetórias e percepções). A peça em questão fora assistida fora do Brasil mas trouxe à Abdias uma resolução: ao retornar para o Brasil ele criaria um organismo teatral voltado para o protagonismo do negro, dando um passo importante para que a proporção populacional e a dita boa convivência característica do Brasil no que concerne às diferenças (raciais, religiosas…) fosse representada culturalmente. Abdias já havia desenvolvido o Teatro do Sentenciado (que trabalhava dramaturgia com presidiários) e a primeira turma do TEN chegou a reunir 600 alunos, grande parte sem escolaridade. Portanto o primeiro papel do Teatro era o de alfabetização, que já chegava com boas doses de inclusão social e cultural oriundas de sua proposta inicial e teve grande atuação social, não só por suas características inclusivas mas também na luta em defesa da mulher negra.

“Cerca de seiscentas pessoas, entre homens e mulheres, se inscreveram no curso de alfabetização do TEN, a cargo do escritor Ironides Rodrigues, estudante de direito dotado de um conhecimento cultural extraordinário. Outro curso básico, de iniciação à cultura geral, era lecionado por Aguinaldo Camargo, personalidade e intelecto ímpar no meio cultural da comunidade negra. Enquanto as primeiras noções de teatro e interpretação ficavam a meu cargo, o TEN abriu o debate dos temas que interessavam ao grupo, convidando vários palestrantes, entre os quais a professora Maria Yeda Leite, o professor Rex Crawford, adido cultural da Embaixada dos Estados Unidos, o poeta José Francisco Coelho, o escritor Raimundo Souza Dantas, o professor José Carlos Lisboa.”(Abdias do Nascimento Teatro experimental do negro – tragetórias e percepções) Após um tempo de trabalho estavam finalmente prontos para apresentar a primeira peça, mas qual seria? Era um evento importante e merecia ser tratado com cuidado. Entre as poucas opções acabaram optando pela peça “O Imperador Jones”, a mesma peça que havia trazido aos olhos de Abdias a necessidade do TEN ao ver um branco pintado de preto interpretando seu protagonista. Apresentaram-se apenas uma noite, apesar do sucesso de crítica.

 “O grupo teatral de Abdias do Nascimento afirmava negros e negras dentro de uma sociedade cujo racismo historicamente enraizado era disfarçado pela bandeira da “democracia racial”. Fortemente ativo, Abdias do Nascimento defendia a valorização da cultura negra como meio de combate à discriminação racial. O TEN fazia o negro enxergar a exploração pela qual passava e lhe dava autoconfiança para conquistar seu espaço social. O propósito era criar uma dramaturgia de autoria negra, que focasse em temas da cultura afro-brasileira e discutisse questões que, até então, ninguém dava a devida atenção.” (Mariana Moreira – O Teatro Experimental do Negro de Abdias do Nascimento).

No ano seguinte à sua estréia do TEN foi possível apresentar uma peça genuinamente brasileira e feita especialmente pra esse grupo, “O filho pródigo” de Lúcio Cardoso, inspirado em uma parábola bíblica. Em seguida montou “Aruanda” ou texto desenvolvido especialmente para o TEN, peça com muita música dança e canto que resultou em um belíssimo espetáculo. “Quando terminamos a temporada de Aruanda, as dezenas de tamboristas, cantores e dançarinos organizaram outro grupo para atuar especificamente nesse campo. Depois de usar vários nomes, esse conjunto se tornaria famoso e conhecido como Brasiliana, havendo percorrido quase toda a Europa durante cerca de dez anos consecutivos”, relata Abdias.

“O antropólogo Julio Cesar Tavares classifica o TEN como “teatro de intervenção”: “[…] seu signo mais relevante foi de ordem pedagógico-política. Sua função se afirmou, num país de analfabetos, como a de um veículo conscientizador e gerador de novas saídas para o negro, dentro da clausura gerada por um processo de permanente exclusão”.O TEN contribui para a formação de uma importante geração de atores negros para teatro, cinema e televisão, da qual fazem parte Ruth de Souza (1930), Haroldo Costa, Léa Garcia (1933) e José Maria Monteiro (1923-2010)” (enciclopédia itau cultural). O TEN foi criado com intiuto de trazer maior representatividade cultural para o negro, mas com isso, e com toda militância de Abdias, tornou-se muito mais, abragendo toda luta contra o racismo, trazendo à tona as realidades brasileiras escondidas, que sempre vendeu-se como um país da missigenação, mas segrega, segrega o negro, o pobre, a mulher, o diferente do padrão, segrega fingindo não segregar, se escondendo atrás de pretextos vãos e da manutenção do status quo, “(…)o TEN propunha-se a combater o racismo, que em nenhum outro aspecto da vida brasileira revela tão ostensivamente sua impostura como no teatro, na televisão e no sistema educativo, verdadeiros bastiões da discriminação racial à moda brasileira. No exterior, a elite brasileira propagandeia uma imagem tão distorcida da nossa realidade étnica que podemos classificá-la como uma radical deformação. Essa elite se auto-identifica exclusivamente como branco-européia. Em contrapartida, escamoteia o trabalho e a contribuição intelectual e cultural do negro ou invoca nossas “origens africanas” apenas na medida de interesses imediatos, sem entretanto modificar sua face primeiramente européia na representação do país no mundo todo. Da mesma forma, a cultura “brasileira” articulada pela mesma elite eurocentrista invoca da boca para fora a “contribuição cultural africana”, enquanto mantém inabalável a premência de sua identificação e aspiração aos valores culturais europeus e/ou norte-americanos.” (Abdias).

ABDIAS NASCIMENTO ( Franca – SP 1914-2011)

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Nasceu em uma família negra e pobre da cidade de Franca, SP. Sua mãe chamava-se Georgina, mas ficou conhecida como dona Josina, e seu pai chamava-se José. Eram católicos e tinham sete filhos. A avó materna de Abdias, dona Ismênia, havia sido escrava, e mesmo que o neto tivesse nascido no contexto pós-abolição, o racismo ainda vigorava com muita força, e dominava as relações sociais daquela época no Brasil.

 Em sua infância, absorveu os conhecimentos transmitidos verbalmente nas rodas de conversa, pelos afrodescendentes mais velhos.

 Aos nove anos já trabalhava para auxiliar financeiramente sua família, como entregador de leite e carne nas casas dos moradores mais ricos da cidade.

 Aos onze anos, entrou para a Escola de Comércio do Ateneu Francano (construída a partir de 1950, a estrutura abrigou o IFE, Instituto Francano de Ensino, conhecido popularmente como Ateneu Francano. Pioneira na cidade, a escola foi por muitos anos oportunidade de qualificação em cursos de contabilidade para quem não tinha condições estudar fora. A primeira turma de contadores do Ateneu formou-se em 1929. Entre os formandos estava Abdias do Nascimento, onde frequentava pela manhã, trabalhava em um consultório médico a tarde, e fazia um curso de contabilidade a noite.

 Era apaixonado pelo circo e pelos festejos religiosos que assistia sempre acompanhado da família. Mais tarde reconheceu nestes momentos, o seu inicial encantamento pelo teatro.

 Sua primeira experiência profissional na administração de uma fazenda em Franca, não foi muito agradável, pois em razão do racismo, foi discriminado pelos seus empregadores. Resiliente, não se abatia nem tão pouco se acomodava as imposições sociais da época.

 Aos 16 anos intentou deixar sua cidade natal. Para tal, utilizou de fraude na certidão de nascimento para alistar-se ao Exército Brasileiro, sendo admitido para o Segundo Grupo de artilharia Pesada de São Paulo. Na capital, o tratamento por parte das pessoas aquele jovem negro não seria diferente da Franca. Na verdade, o racismo seria experimentado de forma ainda mais forte.

 Além de seguir carreira militar, não deixou de lado os estudos: entrou para a faculdade de economia da Escola de Comércio Alvares Penteado. Nesta época passou a integrar o movimento da Frente Negra Brasileira (FNB), que realizava protestos em locais públicos e trabalhava na perspectiva de integrar o negro brasileiro na sociedade de classes. Eram extremamente combativos em locais como hotéis, restaurantes e bares que impediam a entrada de negros.

 Em 1936 Abdias desligou-se definitivamente do serviço militar, instituição em que estava em crise desde que integrou a FNB. Ao sair do exército, passou a ser perseguido pela polícia de São Paulo pela sua militância no movimento negro. Resolve então partir para o Rio de Janeiro naquele mesmo ano de 1936. Sua primeira residência na então capital federal foi o morro da mangueira, próximo da famosa escola de Samba.

 Até assumir o cargo de revisor do Jornal O Radical, não havia tido boas experiências de emprego no Rio de Janeiro.

 Aderiu à Ação Integralista Brasileira de Plínio Salgado, movimento Facista inspirado nos ideais de Mussolini. Adquiriu conhecimentos sobre a cultura brasileira, arte, literatura e economia participando do movimento. Ainda hoje muitos consideram este período um desvio em sua trajetória progressista. No entanto em 1937, insatisfeito com uma corrente racista interna, optou por deixar o grupo que posteriormente em 1945 seria alvo de suas críticas, na Convenção Política do Negro Brasileiro, organizada por ele.

 Mudou-se da mangueira para Duque de Caxias no final de 1937. A diversidade cultural e as várias manifestações da população negra carioca, atraíram atenção do jovem Abdias. Frequentou o famoso candomblé de Joãzinho da Goméia. Neste círculo, formou novas amizades com negros de destaque da cultura carioca, como o poeta pernambucano Solano Trindade que se tornaria grande amigo ,o Maestro Abgail Moura, que em 1942 fundou e regeu a Orquestra Afro-Brasileira. Essas experiências fundamentais para a formação do intelectual Abdias eram somadas à formação acadêmica na Faculdade de Economia da então Universidade do Brasil.

 Com a instauração da ditadura do estado Novo, as perseguições políticas se intensificaram e Abdias, após realizar protesto panfletário contra presença da marinha norte-americana na Baia de Guanabara, é preso. Após liberto, volta a morar em São Paulo e participa do 1º Congresso Afro-Campineiro.

 Trabalhou por pouco tempo como contador no Banco Mercantil de São Paulo, retornando ao Rio de Janeiro. Envolveu-se com grupo de poetas brasileiros e argentinos, viajando por Amazônia, Iquitos e Lima ( Peru), Letícia ( Colômbia), La Paz (Bolívia) e Buenos Aires ( Argentina).

 Em Lima no Peru, ao assistir pela 1ª vez a peça O Imperador Jones no Teatro Municipal da cidade, em que atores brancos representavam negros pintados de preto, começou a refletir a não existência de atores negros no teatro brasileiro.

 Ao retornar ao Brasil, em razão de agressão a um oficial de policia, foi preso e encaminha do à Penitenciária do Carandiru. Lá, Abdias dedicou-se intensamente à leitura e criou o Teatro do Sentenciado, em que os atores eram os próprios presos e ele o diretor dos espetáculos. Após sua liberdade o grupo teve fim. Porém, seguindo para o Rio de Janeiro, fundou das reflexões surgidas no Peru, o Teatro Experimental do Negro ( TEN ) Juntamente com Aguinaldo Oliveira de Camargo, Wilson Tibério, Sebastião Rodrigues Alves, Arinda Serafim e Ilena Teixeira, entre outros. A primeira peça encenada no Teatro Municipal do Rio de Janeiro foi O Imperador Jones do escritor americano Eugene O ´Neill, em 18 de maio de 1945 com enorme sucesso, apesar de parte da crítica racista da época ter feito duras críticas à iniciativa de um Teatro de atores negros, afirmando ser desnecessário, pois não havia racismo no Brasil.

 Nesse contexto, o Teatro Experimental do Negro ( TEN ), fundado na cidade do Rio de Janeiro no ano de 1944, no final da vigência do Estado Novo, tinha por intuito além de produzir peças teatrais, motivar o negro por meio da alfabetização, a combater a discriminação e o preconceito racial que existia na sociedade carioca. Funcionava em sede emprestada pela União Nacional dos Estudantes (UNE), na Praia do Flamengo.

 Para Nascimento, era inadmissível, em um país como o nosso, que na década de 1940 contava com uma população de 60 milhões de habitantes, composta por 20 milhões de pessoas negras, que os diretores artísticos escalassem artistas brancos para as peças teatrais podendo estrelar com atores negros. O TEN organizou concursos de artes plásticas, concursos de beleza que enalteciam os padrões afro-brasileiros e eventos sociopolíticos. Também foi nessa organização que se cogitou uma medida constitucional para a criação de uma legislação antirracista, além da produção de um periódico, intitulado “Jornal Quilombo”. O jornal Quilombo: vida, problemas e aspirações do negro; divulgou trabalhos do TEN em todos os seus campos de ação, entre 1948 e 1951. O jornal trazia reportagens, entrevistas, e matérias sobre assuntos de interesse à comunidade. A precariedade dos recursos financeiros do TEN, e do poder aquisitivo de seu público, não lhe permitiu uma permanência maior. A Convenção Nacional do Negro Brasileiro foi uma ação realizada em São Paulo (1945) e no Rio de Janeiro (1946) sob a liderança de Abdias do Nascimento (1914-2011), que apresentou o “Manifesto a Nação Brasileira”, interpelando os partidos da época sobre a situação das populações negras, em sua grande maioria vivendo em favelas. As atividades, somadas, contaram com a participação de 700 pessoas. Destaca-se que, em 1946, o Brasil estava formando a Assembleia Constituinte. O manifesto redigido nas convenções, em sua fundação, continha uma série de reivindicações sociais Retornando às atividades organizadas pelos integrantes do TEN, Abdias do Nascimento, com o auxílio de Edison Carneiro, organizou a Conferência do Negro (1949) e o Congresso do Negro Brasileiro (1950), ambas na cidade do Rio de Janeiro.

 Representantes da Sociedade Floresta Aurora de Porto Alegre, Heitor Nunes Fraga,

José Pedrosa e o pesquisador gaúcho Dante Laytano (1908-2000) estiveram presentes nessas atividades. Como resultado desses encontros, a comunidade negra passa a reivindicar com força as suas demandas, fazendo com que os poderes constituídos passem a se preocupar com a questão do preconceito racial vinculados aos aspectos sociais desse grupo.

 Nesse contexto, surgiu a lei Afonso Arinos (A Lei Afonso Arinos (Lei 1390/51 de 3 de julho de 1951) é uma lei proposta por Afonso Arinos de Melo Franco (1905-1990) e promulgada por Getúlio Vargas em 3 de julho de 1951 que proíbe a discriminação racial no Brasil. É o primeiro código brasileiro a incluir entre as contravenções penais a prática de atos resultantes de preconceito de raça e cor da pele).

 Com o sucesso da companhia, escritores brasileiros passaram a escrever peças teatrais para o TEN. Nelson Rodrigues, por exemplo, escreveu Anjo Negro, enquanto Joaquim Ribeiro escreveu Aruanda. Em 1948, por sua vez, o grupo encenou Filhos de Santo, de José de Moraes Pinho e em 1952, Rapsódia, do próprio Abdias Nascimento.

 Em 1945, Abdias fundou o braço político do TEN, o Comitê Democrático Afro-brasileiro, com sede na UNE. Neste ano também, foi organizada a Convenção Nacional do Negro, no Rio de janeiro e em São Paulo. No ano de 1948, marca a fundação do Jornal Quilombo, que circulou por dois anos e serviu de forte interlocutor entre a luta dos negros brasileiros e as lutas empreendidas no exterior. Em 1950 ocorreu o 1º Congresso do Negro Brasileiro, organizado por Abdias e o Teatro Experimental do Negro (TEN).

 Mais tarde em 1968, Abdias publicaria o livro “O Negro Revoltado”, que trazia algumas das pesquisas e comunicações daquele evento. Ao longo das décadas seguintes (50 e 60), Abdias militou pelo movimento negro em congressos, encontros e protestos que esta parcela da população promovia, muitas vezes sob a liderança do próprio. Com o golpe militar de 1964, a militância negra enfrentou forte repressão por parte dos governos. A posterior promulgação do famigerado AI-5 em 1968, proibiu oficialmente a militância negra antirracista de atuar, o que levou Abdias a buscar exílio nos EUA, onde viveria por quase treze anos, militando pelo movimento pan-africanista. O motivo inicial da viagem foi a possibilidade de conhecer organizações sociais e lideranças afro-americanas, o que ocorreu a convite da Fairfield foundation. No final dos anos 60. Os EUA passavam por momentos conturbados, marcados por fortes manifestações do movimento negro, na luta contra o racismo e pela igualdade dos direitos civis. Inserido nesse contexto, Abdias esteve com Bobby Seale, o presidente dos Panteras Negras.

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Durante um longo período, Abdias dedicou-se com ênfase à carreira de artista plástico, que havia emergido durante uma curta estadia dele em Nova York no início de 1968, antes do início do exílio. Ao longo dos treze anos que viveu fora do País, além de pintar, também foi conviado a expor suas obras e realizar curadorias de exposições em galerias de universidades norte-americanas. Foi professor visitante, convidado pela Universidade de Wesleyan de Middletown. Foi ativista nos levantes que ocorriam na Universidade de Harvard, contra o financiamento de projetos na Africa do Sul nos tempos do apartheid. De Middletown, foi para a Universidade do Estado de Nova York na cidade de Buffalo, desta vez como professor contratado e dedicação exclusiva. Nesse período conheceu sua esposa, estudante loira Elisa Larkin, mãe de seu terceiro filho Osíris e de sua única filha, Yemanjá do Nascimento.

 Durante um longo período, Abdias dedicou-se com ênfase à carreira de artista plástico, que havia emergido durante uma curta estadia dele em Nova York no início de 1968, antes do início do exílio. Ao longo dos treze anos que viveu fora do País, além de pintar, também foi conviado a expor suas obras e realizar curadorias de exposições em galerias de universidades norte-americanas. Foi professor visitante, convidado pela Universidade de Wesleyan de Middletown. Foi ativista nos levantes que ocorriam na Universidade de Harvard, contra o financiamento de projetos na Africa do Sul nos tempos do apartheid. De Middletown, foi para a Universidade do Estado de Nova York na cidade de Buffalo, desta vez como professor contratado e dedicação exclusiva.

 Nesse período conheceu sua esposa, estudante loira Elisa Larkin, mãe de seu terceiro filho Osíris e de sua única filha , Yemanjá do Nascimento.

 O exílio de Abdias terminou em 1981. Com a ajuda de Dom Paulo Evaristo Arns, criou em São Paulo o Instituto de Pesquisas e Estudos Afro- Brasileiros ( Ipeafro). Em 1982 o Instituto organizou e realizou o 3º Congresso de Cultura Negra das Américas, presidido por ele. Na condição de artista plástico, realizaria diversas exposições em museus, universidades e centros culturais brasileiros.

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Máscaras inspiradas na obra de Abdias do Nascimento

Após o fim do regime militar, a luta no plano da política se abria como um novo campo de atuação para a batalha dos afrodescendentes no Brasil. Desde 1979, ainda no exílio, Abdias se aproximara de Leonel Brizola, líder do PTB. Devido à atuação de Nascimento junto ao partido desde que voltara ao rio de janeiro, foi criada dentro do PDT em 1981 a secretaria do Movimento Negro. Em 1982, participando de suas primeiras eleições, Abdias foi eleito para o posto de Deputado Federal pelo RJ, sob a bandeira da luta contra o racismo. Era a primeira vez na história do Brasil que um afrodescendente assumia este cargo com as bandeiras da luta do movimento negro. Como seria de se esperar, Abdias não foi bem recebido pelos demais políticos, que julgavam absurdas suas propostas. No entanto, aos poucos e com muita insistência, ele soube fazer  valer seus discursos e suas propostas, como o questionamento à comemoração da data do treze de maio e a demanda pela oficialização do dia 20 de novembro como dia da consciência negra.

 Foi o primeiro parlamentar negro a dedicar seu mandato à luta contra o racismo, propondo projetos de lei que o enquadram como crime de lesa-humanidade, e propondo mecanismos de ação compensatórios para negros no Brasil. Atuou na desapropriação da Serra da Barriga e na transformação desta em patrimônio histórico nacional, na questão das comunidades quilombolas, no questionamento  o 13 de maio e na definição do 20 de novembro como dia da Consciência Negra.

 A atuação política de Abdias do nascimento nos diferentes períodos históricos em que viveu pode ser entendida como um percurso não linear de um sujeito se relacionando com seu espaço e seu tempo, fazendo leituras do mundo em que viveu e deixando suas impressões também, buscando respostas para questões pertinentes a sua realidade que também foi e continua sendo a realidade de muitos brasileiros descendentes de escravos mantidos à margem da sociedade e marginalizados no período pós abolição.

 Neste percurso apreciamos sua adesão e ruptura com ideias e movimentos políticos, marcando posições que aos olhos do observador do presente podem emergir como contradições. Considerando que trata-se de um ser humano, demasiadamente humano e não um mito, o paradoxo surge sem todavia reduzir a sua importância para nossa história.

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Viaduto Senador Abdias do Nascimento – Porto Alegre-RS

 Em 1991 Abdias chegou ao senado. Depois, foi nomeado secretário de Defesa e promoção da Igualdade Racial do governo do estado do Rio de Janeiro, quando Leonel Brizola era o governador.

 A partir dos anos 2000, Abdias receberia uma porção de homenagens e premiações em reverência à sua trajetória de vida, a começar pelas comemorações pelos seus noventa anos em 2003. No ano seguinte, ele receberia o Prêmio Toussant Louverture pelos extraordinários serviços prestados à luta contra a Discriminação Racial, na sede da UNESCO em Paris. Abdias do Nascimento faleceu em 24 de maio de 2011 aos 97 anos, vítima de uma pneumonia e problemas cardíacos. A herança de sua trajetória e ensinamentos se encontra presente na luta de cada um dos afrodescendentes, contrao racismo e a discriminação.